Portugueses e sírios vão distribuir ajuda a refugiados em Atenas
Como os governos tardam em agir, cidadãos como os da associação Coragem Disponível sentem que não podem ficar parados. Seis voluntários vão ajudar num campo e nas ruas da capital grega.
Metade vai sair do Porto; uma portuguesa; Raquel Mar Caetano, e um sírio, Omar al-Fannoush, irão de Lisboa; outro sírio irá de Évora. Três mulheres e três homens. A associação Coragem Disponível – Apoio a Refugiados e Imigrantes vai partir sábado para a sua primeira iniciativa fora de fronteiras: de 26 a 31 de Dezembro seis voluntários vão andar por Atenas, Grécia, a distribuir ajuda a refugiados.
“Primeiro tínhamos pensado ir para as ilhas, mas dos contactos que fizemos percebemos que aí há mais associações de cidadãos e está tudo mais organizado. Nas ilhas só fica quem não tem documentos ou dinheiro, o resto das pessoas é encaminhada para Atenas, e faltam pessoas nos campos. Até há donativos que chegam e falta gente para os distribuir”, explica a ex-jornalista Helena Castro, uma das directoras da associação.
Por outro lado, desde que a Macedónia começou a barrar na fronteira todos os que não são sírios, iraquianos ou afegãos, “a polícia grega encaminhou esta gente para Atenas, que recebeu, de repente, mais 3000 pessoas”. O plano desta missão passa por ir ajudar num campo de acolhimento a funcionar num campo aberto de hóquei. “O campo é recente e eles ainda estão com algumas dificuldades de organização. Vamos fazer o que for preciso, limpezas, cozinhar”, diz Helena.
Mas os voluntários que partem de Lisboa também vão tentar ajudar refugiados a viver na rua. “Sabemos que se reúnem para dormir na Praça Victoria e como os turnos no campo acabam às 21h, à noite vamos até lá”. Helena também já sabe que “há alguma tensão no campo” e o grupo vai preparado. “São pessoas que se viam com uma grande esperança e que agora estão ali encurraladas. Sei que o ambiente não é fácil.”
Raquel, uma empresária que faz autocolantes personalizados, sempre tinha querido fazer voluntariado e chegou a pensar juntar-se a um grupo que distribui comida a sem-abrigo em Lisboa, mas um amigo disse-lhe que “talvez não conseguisse lidar” com todas as situações que iria encontrar.
Em Agosto, com as notícias de naufrágios de refugiados que tentavam chegar à Europa, a resposta para o voluntariado que sempre tinha querido fazer começou a chegar. No Porto, a sua hoje amiga, Helena, começava a mobilizar-se. “Fui operada ao coração e estava no hospital a ver todas aquelas notícias dos barcos com as pessoas que se afogavam, ainda antes do Aylan Kurdi [o menino sírio de três anos que morreu afogado a 2 de Setembro numa praia da Turquia]. Não consegui ficar parada e decidi lançar um grupo no Facebook”, conta Helena.
“Nunca pensei que tivesse tanta adesão. Simplesmente, não me conseguia conformar com estas situações de injustiça. Fui jornalista e sempre foram os temas sociais que me deram mais motivação”, diz. Entretanto, “grupos de amigos virtuais tornaram-se amigos reais” e o movimento foi crescendo.
As manifestações de Setembro
A 12 de Setembro, Helena organizou manifestações a defender a vinda de refugiados para Portugal em cinco cidades. Raquel e o pai estiveram na de Lisboa. “Já andava a falar pelo Facebook com a Helena. Fiz um cartaz de um metro e meio com o meu pai, queria escrever ‘Bem-vindos Refugiados’ em inglês e em árabe e pedi ajuda ao Nour. Ele disse-me que refugiados era difícil de traduzir e então ficou ‘Welcome Syrians’, nas duas línguas.”
Nour é Nour Machlah, de Alepo, um dos estudantes que chegou a Portugal em Março de 2014, no primeiro grupo de bolseiros da Plataforma Global de Assistência Académica a Estudantes Sírios, criada pelo ex-Presidente Jorge Sampaio. Raquel não o conhecia, mas via-o a interagir com Helena nas redes sociais e esse pedido de tradução foi o primeiro contacto. Agora, Nour, estudante de Arquitectura na Universidade de Évora, é um dos voluntários desta primeira ida à Grécia.
Raquel só sabia que queria fazer alguma coisa em relação ao que se estava a passar. Com “dois filhos, um do coração”, conta que a família a tem apoiado em tudo. O mais novo dos rapazes, com 14 anos, descreveu assim um destes dias o que também tem ajudado a concretizar: “Isto que queremos fazer é como se alguém estivesse na linha do comboio e nós decidíssemos ir lá tirá-lo”.
As dificuldades
Depois das manifestações, a segunda grande iniciativa aconteceu a 13 de Dezembro na Fábrica Braço de Prata em Lisboa, um convívio de domingo com almoço e ceia de inspiração italiana e síria que juntou perto de 50 refugiados e famílias portuguesas e estrangeiras a viver em Portugal que quiseram participar. Houve gente a contar a sua história, como Nour ou Omar, outro dos bolseiros da Plataforma que estuda na Universidade Nova de Lisboa que foi um dos cozinheiros. Os dois estão “muito entusiasmados” por poderem participar na missão de Atenas.
Entretanto, 50 refugiados a viver em Portugal há vários anos tinham-lhes pedido ajuda e Helena percebeu que “um grupo de cidadãos com boa vontade não chega” para lidar com burocracias; assim, nasceu a Coragem Disponível. Helena conta que as dificuldades chegam de todos os lados. “Às vezes mesmo por parte de quem queremos ajudar. Não estão habituados a receber ajuda de quem só quer ajudar… No convívio, alguns achavam que lhes íamos pedir alguma coisa em troca.”
Nesse dia, Raquel passou horas de pé a cortar beringelas e espremer limões e agora está com uma infecção nos metatarsos do pé direito, a tentar recuperar a tempo da viagem. “Tento não pousar o pé no chão e vou ter de passar muito mais tempo sentada do que em pé. Mas não vou deixar de fazer nada por causa disto.”
O exemplo do Canadá
O dinheiro conseguido com o que os bilhetes vendidos para esse encontro já serviu para comprar os 50 kits de Inverno (mochilas, gorros, cachecóis, meias, capas de chuva, casacos para o frio e galochas) que os seus voluntários vão agora levar na bagagem.
Há um NIB através do qual quem quiser pode contribuir (0035 0442 0003 2795 830 90) e um crowdfunding aberto até dia 6 (o segundo grupo vai de 2 a 7 de Janeiro) cujos fundos servirão para comprar comida, mais agasalhos e calçado resistente para distribuir em Atenas.
Esta ida à capital grega “sai um pouco fora no nosso âmbito, que é centrado em Portugal, na integração destas comunidades, mas é impossível fecharmos os olhos ao que está a acontecer lá fora”, diz Helena.
“Gostava muito de ver o nosso Governo a tomar uma atitude como a do Canadá [que vai receber 25 mil refugiados até Fevereiro] em vez de arrastar o processo e dizer que vamos receber as pessoas ao longo de 2016”, afirma a ex-jornalista. “A situação é urgente e têm de ser tomadas medidas extraordinárias. A mim deixa-me perplexa que pessoas em cargos de poder não façam aquilo que cidadão se disponibilizam a fazer."