Hashtags ajudam adolescentes a partilhar comportamentos perigosos

Artigo publicado em jornal americano alerta para imagens de autolesões "escondidas" na Net. Em Portugal cerca de 10% das crianças e adolescentes com perfil em redes sociais relataram já ter visto conteúdos problemáticos.

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Cerca de três em cada quatro crianças portuguesas (dos 9 aos 16 anos) têm um perfil numa rede social, de acordo com um relatório nacional Daniel Rocha

Chamam-lhes “hashtags secretas”. São por exemplo #selfharmmm. Ou #MySecretFamily. Ou #SecretSociety123. E estão a ajudar as crianças e os adolescentes a partilhar conteúdos perigosos, sem darem tanto nas vistas. Quem o diz é Megan Moreno, especialista em Saúde dos Adolescentes na Universidade de Washington e no Seattle Children’s Research Institute, que publicou um artigo sobre o assunto na edição de Janeiro de 2016 do Journal of Adolescent Health.

Uma hashtag é uma espécie de palavra-chave que ajuda os utilizadores das redes sociais a fazer chegar a mais pessoas os seus conteúdos sobre um determinado assunto. O artigo assinado por Moreno e quatro outros investigadores, intitulado Sociedade secreta 123: compreendendo a linguagem da autolesão no Instagram, baseia-se numa pesquisa de algumas destas palavras, explicou Moreno à Reuters.

Desde 2012 que o Instagram proíbe a partilha de fotografias ou hashtags que promovam ou “glorifiquem” a automutilação e a anorexia, por isso as hashtags escolhidas pelos adolescentes para “catalogar” as suas imagens relacionadas com estes assuntos são propositadamente “ambíguas”, para escapar melhor ao controle. E no entanto, atrás delas estão fotografias de braços cortados com lâminas, de pernas queimadas com pontas de cigarro, de arranhões em sangue, por exemplo. Imagens e frases que remetem para comportamentos de autolesão, não tendo, contudo, como objectivo, o suicídio.

O último estudo em Portugal que aborda a questão das autolesões entre os adolescentes chama-se A Saúde dos Adolescentes Portugueses, é de 2014 e foi coordenado pela psicóloga Margarida Gaspar de Matos, no âmbito de um projecto internacional da Organização Mundial de Saúde. Mostrava que um em cada cinco alunos do 8.º e 10.º anos tinha-se magoado a si mesmo, de propósito, nos 12 meses anteriores ao inquérito, para lidar com sensações de tristeza, aborrecimento ou frustração.

Segundo Megan Moreno os conteúdos relacionados com autolesões são cada vez mais frequentes no Instagram (uma pesquisa pelo termo #cat, que é usado para substituir a palavra “cut”, de “corte”, devolveu 44 milhões de resultados em 2014 e mais de 56 milhões em 2015, disse). E “as comunidades online que se desenvolvem em torno destas hashtags” fomentam nos adolescentes um sentido de pertença a um grupo que, neste caso, é tudo menos recomendável.

Questionada sobre este artigo, a psicóloga Margarida Gaspar de Matos diz ao PÚBLICO que duvida “que em Portugal as coisas tenham tanto este impacto e ressonância nas redes sociais”. A psicóloga aconselha os pais e professores a estarem atentos e disponíveis,  “mas sem entrar em pânicos contraproducentes”. O mais importante, diz, é “promover a saúde mental e bem-estar nos jovens” e ajudá-los a estar nas redes sociais com a informação de que precisam, “evitando conteúdos comprometedores da sua saúde e da dos outros”.

Jovens na rede
Moreno também deixa no seu artigo um alerta aos pais: não confiem nas redes sociais. Em 2012, quando anunciou as novas regras contra os conteúdos relacionados com anorexia e autolesões, o Instagram fez saber que não proibiria “contas criadas para discutir construtivamente ou documentar experiências pessoais” que mostrassem qualquer forma de automutilação desde que o objectivo fosse a melhoria desses comportamentos, o apoio e a “discussão aberta”. Esses conteúdos deveriam contudo vir acompanhados de um aviso (qualquer coisa como “Atenção: estas publicações podem apresentar conteúdo explícito”) e de informação destinada a quem precisa de ajuda.

Mas Moreno diz que um terço das hashtags pesquisadas não desencadeia esse aviso. Os pais “continuam a ser o pilar na promoção do debate sobre estes conteúdos nas redes sociais”. E aos pais cabe dar aos filhos os instrumentos necessários para lidarem com esses conteúdos, acrescenta.

De acordo com o relatório Crianças e Meios Digitais Móveis em Portugal: Resultados Nacionais do Projecto Net Children Go Mobile, cerca de três em cada quatro crianças portuguesas (dos 9 aos 16 anos) têm um perfil numa rede social. O Facebook aparece, de longe, como a mais presente (97% dos que estão numa rede social estão no Facebook). A seguir vem o Instagram (19%).

Cerca de 10% relataram já ter visto conteúdos que podem ser considerados problemáticos. “À cabeça desta lista, encontra-se a publicação de mensagens que atacam certos grupos (8%), seguida de conteúdos que falam sobre ou que sugerem formas de automutilação (6%) e de conteúdos que incentivam distúrbios alimentares (5%).” Estes são, em todo o caso, “valores bastante reduzidos, abaixo da média europeia”, escrevem os autores José Alberto Simões, Cristina Ponte, Eduarda Ferreira, Juliana Doretto e Celiana Azevedo.

O projecto Net Children Go Mobile envolveu outros seis países (Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Itália, Reino Unido e Roménia).

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