Fed regressa às subidas de taxas mas não esquece fantasma de 1937
É o ponto final no período de nove anos de taxas de juro coladas a zero. O que acontecerá nos próximos meses depende da resposta da economia, diz a Fed.
Entre o medo de repetir o erro cometido na fase final da Grande Depressão e a ameaça de perder uma oportunidade única de normalizar a sua política monetária, a Reserva Federal norte-americana decidiu enfrentar o fantasma de 1937 e voltou, pela primeira vez desde 2006, a subir as taxas de juro. É o fim de uma era inédita de dinheiro extremamente barato nos Estados Unidos e o início de um período em que o debate sobre o risco de recaída na retoma se deverá intensificar, um pouco por todo o Mundo.
A decisão da Fed era já largamente antecipada pelos mercados. Em diversas intervenções públicas, Janet Yellen tinha deixado sinais concretos que não iria adiar mais uma subida de taxas e esta quarta-feira chegou a confirmação.
A taxa efectiva da Fed irá passar a variar num intervalo situado entre os 0,25% e os 0,5%, isto é num patamar 0,25 pontos percentuais acima do intervalo entre 0% e 0,25 em que se encontrava até agora. No comunicado, a Fed justifica a opção dizendo que que “tem havido uma melhoria considerável das condições do mercado de trabalho este ano” e que está “razoavelmente confiante que a inflação irá subir no médio prazo para o seu objectivo de 2%”.
Ao mesmo tempo que subiram as taxas, os responsáveis da Fed optaram também por um tom de grande prudência em relação ao que irá acontecer no futuro, para não assustar os mercados. É verdade que os membros do comité projectam em média que a taxa de juro apropriada no final de 2016 deverá situar-se em 1,375%, o que significa que, no decorrer do próximo ano, se pode esperar a ocorrência de mais quatro subidas idênticas à anunciada esta quarta-feira, mas no comunicado e nas declarações de Yellen após a decisão foi várias vezes repetido que isso dependerá sempre daquilo que acontecer aos dados económicos.
É aqui, nesta prudência, que se nota ainda a presença do fantasma de 1937 no pensamento de Janet Yellen e os seus pares. No final de 1936, perante os primeiros sinais de que a economia dos Estados Unidos estava finalmente a sair da Grande Depressão, a Reserva Federal decidiu colocar um travão na sua política expansionista e duplicou as reservas que exigia aos bancos, retirando liquidez à economia.
O resultado dessa medida, em combinação com um recuo da despesa e no investimento do Estado, ficou para a história, pela negativa. Passados poucos meses a economia norte-americana entrava novamente em recessão, registando uma quebra no PIB de 10% entre Maio de 1937 e Junho de 1938 e fazendo regressar o desemprego a um valor acima de 20%.
Há semelhanças e diferenças entre o que aconteceu em 1937 e o actual cenário. Quem valoriza mais as semelhanças está contra a decisão agora tomada pela Fed, quem valoriza mais as diferenças está a favor e, em alguns casos, até acha que a decisão de subir taxas já chega tarde demais, uma vez que nos mercados se têm vindo a criar bolhas que podem gerar instabilidade no futuro.
Tal como há quase oitenta anos, a Fed vem de um período longo de política expansionista em que ainda não há sinais de subida da inflação. Mas ao contrário do passado, a taxa de desemprego já desceu agora para níveis bastante próximos da média histórica e a economia já saiu da recessão há vários anos.
Entre aqueles que não estão confiantes que a situação económica esteja resolvida destaca-se Lawrence Summers, o economista norte-americano que era a outra opção de Barack Obama para ocupar o cargo oferecido a Janet Yellen. Summers diz que os riscos de a taxa de inflação baixar para níveis perigosamente altos e a economia fraquejar claramente superam os riscos de criação de bolhas especulativas nos mercados e de subida da inflação.
Além disso, assinalam os defensores de um prolongamento de uma política expansionista, desta vez o impacto de uma decisão da Fed sente-se muito além das fronteiras dos Estados Unidos e a verdade é que, em muitos pontos do Globo, principalmente nas economias emergentes, uma permanência das taxas de juro a um nível baixo pode ser o que está a evitar mais instabilidade financeira, algo que acabará por ter efeitos negativos na economia norte-americana.
Janet Yellen – e todos os membros do comité que toma as decisões de política monetária – têm outra opinião. Acham que se a Fed não aproveitasse o actual momento para subir taxas ficaria sem qualquer margem de manobra no futuro para actuar caso uma crise voltasse a ocorrer. Na conferência de imprensa desta quarta-feira, Yellen respondeu aos críticos falando de uma “recuperação económica que fez claramente um longo caminho”. Ainda assim, certamente com o erro de 1937 em mente, continua a fazer questão de deixar claro que aquilo que foi feito não foi mais do que “uma subida modesta nas taxas de juro”, que “é a apropriada”.