Ex-director do SEF acusado de favorecer ex-sócio de Miguel Macedo a mando deste
Ministro cessante Rui Machete incumbiu chefe de gabinete de acompanhar emissão de vistos pedidos por empresa que contratara ex-sócio de Macedo para “facilitação na obtenção de vistos”, diz a acusação dos vistos gold.
O ex-director do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras Manuel Palos está acusado no processo dos vistos gold de ter favorecido uma empresa parceira de Jaime Gomes, ex-sócio do ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo, sob orientações deste último, num caso relacionado com a emissão de vistos temporários a 342 cidadãos líbios que vieram receber tratamento médico a Portugal. O Ministério Público faz questão de explicar detalhadamente as irregularidades do procedimento e destaca que, na mesma altura, duas outras empresas, que prestavam o mesmo tipo de serviços, tiveram um tratamento completamente diferente por parte das autoridades portuguesas.
Na acusação, surgem referências à intervenção do ministro cessante dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, a quem Macedo terá pedido, em Agosto de 2014, ajuda para ultrapassar um problema na emissão de uma parte dos vistos, após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, em Trípoli, umas semanas antes. Rui Machete, diz o Ministério Público, “incumbiu o seu chefe de gabinete” de apurar qual o tratamento que a referida empresa, a ILS — Produtos e Soluções na Área da Saúde, estava a ter por parte da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas.
Esta empresa tinha como gerente Paulo Lalanda e Castro, o empresário que contratou José Sócrates como consultor de uma multinacional do sector da saúde e que, no âmbito deste negócio de 18 milhões de euros com o Ministério da Saúde líbio, contratara uma sociedade de Jaime Gomes, ex-sócio de Macedo, para facilitar a obtenção dos vistos. Segundo a acusação, o objecto do contrato entre a ILS e a empresa de Jaime Gomes previa expressamente, além de questões logísticas das deslocações dos cidadãos líbios, a actividade de “facilitação na obtenção de vistos”, tendo a primeira empresa pago à segunda mais de 100 mil euros no âmbito do referido contrato.
Após o pedido de Rui Machete, o director dos assuntos consulares respondeu ao seu chefe de gabinete que já se tinha chegado a um entendimento e que os pedidos apresentados pela ILS “poderiam vir a ser qualificados como excepcionais para efeitos de tratamento através de Tunes”. Nesse mesmo dia, Rui Machete dá conta a Miguel Macedo, através de um email, que, “relativamente ao caso concreto que suscitou a nossa conversa, tenho informações de que está a ser resolvido”. Esse mesmo email terá sido reencaminhado pelo então ministro da Administração Interna para o amigo e ex-sócio Jaime Gomes, através de uma conta pessoal. Nesse dia, segundo a acusação, Miguel Macedo manteve uma conversa com Jaime Gomes, “vangloriando-se com o resultado alcançado com a excepção aberta para a ILS, referindo ‘a capacidade’ das outras empresas para conseguirem idêntico resultado na matéria dos vistos”.
Mas antes deste episódio já a acusação detalhara como os pedidos da ILS tinham recebido um tratamento de excepção por parte do SEF, a cujo director Miguel Macedo teria dado instruções para dar um “tratamento de favor” àquela empresa.
O Ministério Público concretiza vários aspectos desse tratamento: Manuel Palos reuniu pessoalmente com Jaime Gomes, nas instalações do SEF, para o instruir quanto aos requisitos para a obtenção dos vistos; diligenciou pessoalmente junto da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares a marcação de reuniões do interesse da ILS; retirou por determinação oral competências que estavam nas direcções regionais do SEF para as atribuir a uma inspectora de quem era próximo. Um dos aspectos que mais resistência tiveram por parte dos organismos do MNE, mas que acabou por ser aceite, dizia respeito ao facto de o visto ter a validade de 120 dias, mas os seguros de viagem que os líbios traziam serem apenas de 90 dias. Outra questão residia no facto de o SEF ter dispensado o registo criminal dos líbios, como prevê a lei, substituindo essa exigência por uma declaração de boa conduta.
Numa resposta enviada através da sua assessora de imprensa, Rui Machete não nega ter recebido um pedido de Macedo, o que considera “normal numa relação entre colegas”. O pedido, diz, assentava “no facto de existirem múltiplas empresas portuguesas com contratos com diversas autoridades líbias com o objectivo de tratar feridos e doentes da mesma nacionalidade”. Na mesma questão, diz o ministro cessante, Miguel Macedo “mencionou ainda o facto de se registarem em várias dessas empresas dificuldades financeiras graves, em resultado da situação caótica que se vivia, e vive, na Líbia”.
Rui Machete diz que não tinha conhecimento concreto desse problema, por isso, procurou “averiguar o que se passava”. Obtida a resposta dos serviços competentes, reproduziu essa informação num email que enviou a Macedo. “E, como ele tinha mencionado um caso concreto sobre o qual também me foi prestada informação, dei-lha”, admite o governante.
Machete diz desconhecer qualquer tratamento excepcional e garante que “não havia situação excepcional relativa a uma empresa, mas abrangia todo o sector de empresas, uma vez que o problema resultava dos vistos outorgados aos líbios e não às empresas que facultavam os cuidados médicos”.
O ainda ministro dos Negócios Estrangeiros lamenta o modo como as perguntas do PÚBLICO são formuladas — onde se confronta o governante com factos descritos na acusação —, pois “parecem subentender que eu conhecia alguma coisa mais naquele momento acerca dos factos que levaram ao inquérito judicial e posteriormente a um processo-crime em relação às pessoas implicadas”. E remata: “O processo não me envolve — nem de perto nem de longe. Só envolve se se considerar que colaborar como testemunha em fase de inquérito, como é dever de qualquer cidadão, é um envolvimento”. O PÚBLICO tentou ainda, sem sucesso, contactar por diversas vias os advogados de Miguel Macedo e Manuel Palos.