Houve festejos em Nova Jérsia depois dos atentados do 11 de Setembro?
Donald Trump, candidato à Casa Branca pelo Partido Republicano, afirmou que "milhares e milhares" de árabes celebraram na cidade de Paterson, em Nova Jérsia, o colapso das torres gémeas.
A frase
O contexto
Durante um discurso na cidade de Birmingham, no estado do Alabama, no sábado passado, um dos candidatos à Presidência dos EUA pelo Partido Republicano, Donald Trump, disse que viu "milhares e milhares" de pessoas "a festejar" o colapso das duas torres do World Trade Center nos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001.
Trump – que é o candidato mais bem posicionado nas sondagens para ser o representante do Partido Republicano nas eleições presidenciais de 2016 – disse que os festejos tiveram lugar do outro lado do rio Hudson, em Nova Jérsia, um dos estados norte-americanos onde há mais população com origem em países do Médio Oriente e muçulmanos, especialmente jordanos, palestinianos, sírios e libaneses.
Confrontado com essas declarações no domingo, no programa This Week, da ABC News, Donald Trump reafirmou tudo o que tinha dito na véspera, especificando que os festejos tiveram lugar "numa população de maioria árabe".
Nos dias que se seguiram aos ataques terroristas de 13 de Novembro em Paris, Donald Trump fez uma série de declarações que levaram os seus críticos a acusá-lo de contribuir para um clima de ódio nos Estados Unidos contra muçulmanos.
Numa dessas situações, Trump foi questionado sobre se concordava com a criação de "um sistema de base de dados para registar os muçulmanos que vivem nos Estados Unidos". O candidato respondeu que "devia haver muitos sistemas, para além da base dados", mas veio mais tarde dizer que estava a referir-se aos 10.000 refugiados sírios que o Presidente Barack Obama prometeu acolher em 2016 e não a todos os muçulmanos que vivem no país.
Os factos
A informação de que houve festejos entre a comunidade árabe da cidade de Paterson, no estado de Nova Jérsia, começou a circular logo após o colapso das torres gémeas, no dia 11 de Setembro de 2001, mas há registo de desmentidos publicados em jornais pelo menos desde 13 de Setembro do mesmo ano.
Numa notícia publicada no diário The Record
(cuja redacção está localizada a cerca de cinco quilómetros de Paterson), intitulada
Lutando contra os rumores – e o ódio(que pode ser consultada nos registos do jornal,
&p_product=NJMNP&p_theme=njmnp&p_action=search&p_maxdocs=200&s_dispstring=Battling%20rumors%20and%20hatred%20AND%20date(all)&p_field_advanced-0=&p_text_advanced-0=(Battling%20rumors%20and%20hatred)&xcal_numdocs=20&p_perpage=10&p_sort=YMD_date:D&xcal_useweights=no">pagando pelo acesso), o jornalista John Chadwick escreveu que "as autoridades de Paterson lutaram quarta-feira [12 de Setembro de 2001] para afastar o muito difundido mas aparentemente falso rumor de que muçulmanos festejaram e amotinaram-se num bairro da cidade após a tragédia no World Trade Center".
Citando dois dos principais responsáveis da cidade de Paterson na altura – o director do serviço de investigações criminais da polícia, William McElrath, e o mayor Marty Barnes –, a notícia do The Record, publicada a 13 de Setembro de 2001, tentava explicar como tinha surgido aquele rumor.
"Não houve protestos, nenhum motim e nenhuns festejos. É óbvio que foi um maluco qualquer que quis pôr essa informação a circular", disse o capitão McElrath.
Ainda de acordo com o mesmo jornal, o rumor de que tinha havido manifestações de contentamento em Paterson após a queda das torres gémeas foi amplificado por um programa de rádio da estação WPLJ-FM, de Nova Iorque, que terá colocado no ar chamadas de ouvintes sem qualquer contraditório.
Lendo a notícia do The Record, não é difícil perceber a força que o rumor ganhou por aqueles dias – a tal ponto que continua vivo em 2015 pela boca de um dos candidatos à sucessão de Barack Obama na Casa Branca.
Na altura, as autoridades de Paterson alertaram a estação WPLJ-FM para o facto de os seus animadores Scott Shannon e Todd Pettengill terem "feito eco dos sentimentos de fúria de ouvintes que denunciaram árabes por estarem a festejar nas ruas de Peterson", apesar de não haver qualquer registo de uma situação semelhante naquela cidade.
"Eles estavam a fazer comentários depreciativos e sarcásticos sobre a população de Paterson. Se eu tivesse autoridade para acusá-los de crimes de ódio, tê-lo-ia feito nesse mesmo instante", disse ao The Record Bob Grant, então porta-voz do mayor de Paterson.
O produtor do programa de rádio em questão, Bruce Goldberg, afastou as críticas dizendo que os animadores não tinham apresentado a informação sobre os alegados festejos em Paterson como uma notícia. "Eram pessoas que estavam a ligar e que queriam manifestar o seu sentimento de horror."
Para além da notícia do The Record, também a agência Associated Press e o jornal Washington Post publicaram nos dias seguintes aos ataques de 11 de Setembro de 2001 notícias que fazem referência a possíveis festejos em Paterson – a AP sublinhou que eram apenas rumores e o Post não citou qualquer fonte.
O actual mayor de Jersey City (cidade localizada a cerca de 30 quilómetros de Paterson), Steve Fulop, disse que o comentário de Donald Trump é "absurdo". "Ou Donald Trump tem problemas de memória, ou distorce a realidade intencionalmente. Qualquer dos casos deve preocupar o Partido Republicano", escreveu no Twitter Steve Fulop, potencial candidato ao cargo de governador de Nova Jérsia em 2017 pelo Partido Democrata.
Os restantes candidatos à nomeação pelo Partido Republicano criticaram ou distanciaram-se das mais recentes declarações de Trump – tanto a ausência de uma rejeição liminar com vista à criação de uma base de dados para registar muçulmanos como a afirmação de que "milhares e milhares" de pessoas (árabes) festejaram o colapso das torres gémeas do World Trade Center nas ruas de uma cidade de Nova Jérsia.
George Pataki, um dos adversários de Trump na corrida do Partido Republicano para as presidenciais de 2016 e governador do estado de Nova Iorque em 2001, escreveu no Twitter que "a ideia de um registo de muçulmanos é tão revoltante como não-americana". Quanto à ideia de que houve festejos em Nova Jérsia após os ataques terroristas, Pataki comentou: "Não sei em que esconderijo de luxo estava Donald Trump a 11 de Setembro, mas eu vi os americanos a unirem-se nesse dia."
Em resumo
Apesar de ser sempre uma tarefa difícil e ingrata desmentir com certeza absoluta algo que nunca aconteceu – é nisso que se baseia qualquer teoria da conspiração que perdura mesmo que esteja errada –, neste caso é possível afirmar, pelo menos, que não existe nenhuma fonte credível que confirme a afirmação de Donald Trump.
Os desmentidos de um responsável da polícia e do mayor de Paterson, logo no dia 12 de Setembro de 2001, e as críticas do então governador do estado de Nova Iorque e de várias figuras do próprio Partido Republicano em relação às declarações de Donald Trump deixam o candidato a defender sozinho um suposto acontecimento que, segundo ele, contou com a participação de "milhares e milhares de pessoas" e do qual não existe nenhum registo – nem em vídeo, nem em qualquer outro formato, nem corroborado por fontes credíveis e identificadas.