Quatro anos depois, a Câmara de Lisboa ainda não conhece todos os seus inquilinos
A vereadora da Habitação, que acredita que as verificações em curso estarão concluídas até Março de 2016, explica que o processo tem sido "muito mais moroso e delicado do que se pensava".
A Câmara de Lisboa espera concluir até Março do próximo ano a verificação da ocupação de todas as suas casas e da condição de recursos de quem lá vive. A vereadora da Habitação reconhece que este processo, que vai permitir ao município reaver centenas de fogos que estavam vagos ou indevidamente ocupados, se revelou “muito mais moroso e delicado do que se pensava”.
“Casas para quem precisa” é o mote desta operação, que foi lançada pelo município no início de 2011, quando era vereadora da Habitação Helena Roseta, actual presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. Mais de quatro anos volvidos, a sua sucessora não esconde as dificuldades que tem envolvido este processo, que nunca antes tinha sido posto em prática pelo município e que deverá agora repetir-se periodicamente.
“À medida que fomos fazendo fomos percebendo a dimensão e os problemas. Para os serviços e para a população”, diz a vereadora Paula Marques, sublinhando que houve sempre a preocupação de garantir que tudo era feito “da forma o mais humanizada possível”.
A expectativa da autarca com os pelouros da Habitação e do Desenvolvimento Local é que “o mais tardar no final do primeiro trimestre de 2016” se tenha concluído o grosso deste processo, encontrando-se a totalidade das situações fechadas ou “pelo menos em fase final de verificação”.
De acordo com dados transmitidos ao PÚBLICO pela vereadora, o trabalho relativo ao património disperso do município, que abarcou 1958 casos, está “95% concluído”, existindo apenas 114 processos “em fase de instrução”. Quanto a resultados, Paula Marques avança que 453 cedências precárias foram regularizadas, tendo dado origem à celebração de contratos de arrendamento, e que 354 agregados familiares foram actualizados.
A verificação da ocupação e da condição de recursos permitiu ainda que a autarquia recuperasse, até ao momento, 270 fogos do seu património disperso. Segundo a vereadora, desses houve 240 casos em que os fogos estavam vazios ou em que quem os ocupava entregou voluntariamente as chaves à câmara e 30 casos em que foi necessário promover processos de desocupação, com a participação da Polícia Municipal.
Mais complexa é a situação dos fogos em bairros sociais, que são geridos pela empresa municipal Gebalis. A esse respeito, Paula Marques adianta que só em Fevereiro deste ano é que se concluiu a notificação de todas as famílias, com a solicitação para que entregassem a documentação necessária para se poder fazer a verificação de elementos como a composição dos agregados familiares e os seus rendimentos.
De acordo com a vereadora da Habitação, segundo quem está em causa “um universo total de verificação de 21844” casos (do qual foram excluídas 2379 situações por terem sido actualizadas há menos de dois anos), “77% das famílias já têm o processo verificado”. Dessas, revela, cerca de três quintos mantiveram as rendas, tendo os restantes agregados visto as suas rendas ser reajustadas: 51% para cima (de forma faseada, ao longo de três anos) e 49% para baixo (de forma imediata).
Houve ainda algumas situações (que representam 3,7% das que já foram verificadas) em que se procedeu ao “cancelamento da conta”, por se ter constatado que as casas estavam indevidamente ocupadas. Paula Marques sublinha que “o grosso das ocupações não tituladas depois de 2009” (ano em que entrou em vigor o Regulamento do Regime de Acesso à Habitação Municipal) dizia respeito a casos em que os fogos tinham sido ocupados por pessoas que antes viviam noutra casa municipal, que abandonaram por situações como a sobrelotação do fogo ou a incompatibilização com um familiar.
“Em 100 ocupações, 99 são feitas por pessoas que residem no bairro”, constata por sua vez o presidente do conselho de administração da Gebalis, Sérgio Cintra, em declarações ao PÚBLICO. Maria Helena Correia, vogal do mesmo órgão, corrobora a ideia de que as ocupações são quase sempre feitas por pessoas com “redes familiares dentro do bairro”, acrescentando que “é muito raro” haver alguém que venha de fora.
Segundo Sérgio Cintra, as verificações feitas até ao momento permitiram já concluir uma outra coisa: que era “um mito urbano” a ideia de que “milhares de moradores tinham alternativa habitacional”, que é como quem diz uma casa arrendada ou própria a menos de 50 quilómetros de distância do fogo municipal que lhes estava atribuído. O presidente da empresa diz que foram identificados cerca de 230 casos desses, incluindo o de um homem que era proprietário não de apenas uma, mas de dez habitações.
Maria Helena Correia nota que nalguns desses processos as pessoas acabam por entregar voluntariamente as chaves, mas admite que outros há em que os inquilinos não se conformam e recorrem à justiça. “Há agregados que colocam providências cautelares”, reconhece também Sérgio Cintra, sublinhando que até agora as decisões foram todas favoráveis à empresa a que preside.
“Temos que explicar tudo com muitíssimo cuidado e temos acima de tudo que ter uma certeza muito grande em tudo aquilo que fazemos”, nota o responsável. Maria Helena Correia concorda e nota que esta verificação da ocupação das casas e da condição de recursos de quem lá vive “é um processo novo e complicado, que envolve a vida das pessoas” e no qual a Gebalis tem procurado “ter um papel pedagógico, de sensibilização”.
Recordando que “é a primeira vez que se faz um processo desta dimensão, abrangendo todos os bairros municipais”, a vogal do conselho de administração reconhece que “as pessoas não estavam preparadas para voluntariamente entregar a documentação” que lhes está a ser solicitada pela câmara. Daí que em muitos casos tenha sido necessário notificar várias vezes o mesmo agregado e fazer mais do que um atendimento presencial, o que contribuiu para que mais de quatro anos depois este seja ainda um trabalho em curso.
Maria Helena Correia destaca que todo este processo tem permitido à Gebalis “chegar a famílias que de outra forma estariam mais distantes”. O que, acrescenta Sérgio Cintra, não teria em muitos casos sido possível sem envolver diferentes “parceiros” da rede social, como juntas de freguesia, igrejas e a Santa Casa da Misericórdia. Tudo, concluem, com o propósito último de garantir que as casas da câmara são efectivamente entregues a quem delas precisa.