Rui Chafes: "Um verdadeiro antídoto contra a mediocridade"
O depoimento do artista Rui Chafes.
Paulo Cunha e Silva era uma pessoa genial. Era um verdadeiro antídoto contra a mediocridade e a letargia reinantes. Poucas pessoas terão feito tanto pela cultura (e pela arte) em Portugal em tão pouco tempo. Sobretudo, poucas pessoas terão tido o seu entusiasmo, capacidade de realização, entrega e lealdade para com os artistas e visão global do que é a cultura, seja a nível local, seja a nível nacional ou internacional. A sua ambição de transformar a cidade do Porto num "laboratório político-cultural para o país" é o reflexo mais puro da sua capacidade de acção, de realizar os sonhos mais ousados contra todos os obstáculos. A sua energia era imparável e contagiante, trabalhar com ele era sempre sinónimo de confiança e empenho total. Tive a oportunidade de realizar vários projectos com ele, desde a Porto Capital da Cultura, passando pela Bienal de S. Paulo (com Vera Mantero, em 2004), Guimarães Capital da Cultura, até ao nosso último trabalho, este ano (integrado no seu corajoso projecto de Arte Pública no Porto), onde realizei uma escultura para o Museu da Santa Casa da Misericórdia. Todos estes projectos foram fruto do seu dinamismo sem compromisso, capaz de ser a ignição e o catalizador de todas as energias possíveis.
Talvez a nossa experiência de trabalho mais intensa tenha sido a exposição que realizei nas igrejas rupestres de Matera, em 2011, enquanto era conselheiro cultural na embaixada de Roma. O seu empenhamento foi total e apaixonado, desde as primeiras visitas a Matera, em busca do local perfeito para a exposição, até à sua capacidade para agilizar as densas burocracias e obstáculos organizativos e financeiros que, permanentemente, se atravessavam no nosso caminho. Penso que, no final, ficou tão feliz como eu por termos conseguido levar aquele difícil projecto até ao fim. Na inauguração, ao contemplar o resultado final, disse que aquele sítio, Matera, estava há séculos à espera das minhas esculturas. Ambos sentimos que as esculturas tinham encontrado o seu lugar. Não posso deixar de dizer que, sem o seu empenho, esta apaixonante exposição não teria sido possível.
Nunca será demais lembrar que o nosso mundo seria impossível sem a existência destas pessoas decididas e visionárias, para quem a cultura e a arte são um bem essencial, não uma existência supérflua.
A vida é um jogo fatal, a morte faz sempre parte desse jogo. Paulo Cunha e Silva viveu a Vida toda, integralmente, encheu a sua vida e encheu a vida dos outros. A nossa missão é continuar o seu entusiasmo e a sua energia luminosa. Mas a verdade é que as pessoas geniais não se podem ir embora tão cedo, custa muito aceitar.