Bush dá sinais de vida, mas continua longe de dominar um debate
Ao quarto debate no Partido Republicano, os ataques pessoais ficaram à porta e Ben Carson foi quem mais beneficiou. Imigração, impostos e política externa expõem divisões entre os candidatos.
A pergunta está a tornar-se cansativa, mas passou a ser obrigatória sempre que Jeb Bush sobe a um palco com os restantes candidatos que estão a tentar ser escolhidos para representarem o Partido Republicano nas eleições presidenciais de 2016: Jeb Bush ainda não desistiu da corrida? Não, mas o filho e irmão de Presidentes, que há poucos meses tinha a vitória assegurada ainda antes de ter anunciado a candidatura, deve estar rezar para que a paciência dos seus doadores seja pelo menos do tamanho das respectivas carteiras.
Os candidatos do Partido Republicano voltaram a juntar-se na noite de terça para quarta-feira, desta vez no palco da sala de concertos e conferências do Milwaukee Theatre, no estado do Wisconsin, para o quarto debate nos últimos três meses - e para o quarto debate consecutivo em que cada exclamação de Jeb Bush se transforma em mais um ponto de interrogação sobre o tempo que ainda vai permanecer na corrida. Houve momentos em que foi possível ver um Bush mais combativo e sem receio das investidas de Donald Trump, mas dizer que teve um bom debate só prova que as expectativas estão mesmo lá em baixo. A má notícia é que Bush voltou a passar ao lado de um debate; a boa notícia é que o processo de escolha do candidato do Partido Republicano é longo, e Bush terá dinheiro suficiente para ir assistindo à desistência de outros candidatos e beneficiar dos votos que ficarão livres.
O Milwaukee Theatre foi o cenário ideal para o misto de espectáculo e conversas mais ou menos sérias que tem marcado esta campanha desde o primeiro dia, numa corrida recheada de senadores e governadores com propostas que deixam os mais pragmáticos a coçar a cabeça de espanto, e em que os favoritos nas sondagens são Donald Trump e Ben Carson, os únicos que nunca foram eleitos para nenhum cargo público.
Como tem acontecido desde o primeiro debate, os candidatos foram divididos em dois grupos, de acordo com as suas posições nas sondagens mais recentes - os quatro menos bem colocados (Chris Christie, Mike Huckabee, Bobby Jindal e Rick Santorum) responderam a perguntas durante uma hora e os oito mais populares falaram depois, no debate principal, durante duas horas.
No meio de tantas promessas, pelo menos uma foi cumprida ainda antes de qualquer eleição, embora o mérito não possa ser atribuído aos candidatos. Os moderadores da estação Fox Business News e do Wall Street Journal, que organizaram o debate, prometeram que iriam centrar as perguntas nos “verdadeiros problemas do país” e cumpriram com zelo, numa resposta aos seus colegas da CNBC, que foram acusados pelos Republicanos de terem feito “perguntas hostis” durante o debate realizado em Outubro – no final, o moderador Neil Cavuto fez questão de sublinhar que o debate não tinha sido sobre eles (os moderadores), mas sim sobre os candidatos e respectivas propostas.
Esta estratégia da Fox Business (condicionada, em parte, pelas queixas de vários candidatos em relação ao debate na CNBC) acabou por agradar a quem se cansa de ouvir sempre os mesmos sound bytes ao longo de duas horas, e permitiu conhecer com algum pormenor algumas das propostas mais polémicas - mesmo assim, ainda não foi desta que o mundo ficou a saber como é que Donald Trump vai conseguir expulsar do país 11 milhões de imigrantes sem documentos, construir um muro ao longo da fronteira com o México e obrigar o governo mexicano a pagar por ele.
O candidato que mais beneficiou com o modelo sereno da Fox Business foi Ben Carson, o neurocirurgião reformado que ultrapassou recentemente Donald Trump em algumas sondagens, e que está a ver a sua história pessoal escrutinada pelos media norte-americanos. Carson, que tem sido obrigado a defender-se de acusações que variam entre a deturpação involuntária de pormenores e a fabricação de episódios contados em autobiografias, teve apenas de responder a uma pergunta sobre esse assunto, e ainda escapou aos ataques de Donald Trump, que tem preferido contribuir para o desgate do seu adversário através do Twitter. Questionado sobre as acusações de que tem sido alvo, Ben Carson foi deixado em paz depois de uma resposta que pode ser resumida através da sua última frase: “As pessoas que me conhecem sabem que sou uma pessoa honesta.”
Mas não foi só Ben Carson quem beneficiou das perguntas feitas pelos moderadores. Marco Rubio, o senador da Florida que brilhou no terceiro debate, em Outubro, posicionando-se como uma alternativa a Jeb Bush para o sector mais tradicional do Partido Republicano, não teve de responder sobre a forma como geriu as suas finanças pessoais no passado e ainda escapou à ronda de perguntas sobre imigração – evitando ter de explicar a sua visão mais moderada, próxima da do Partido Democrata, e pouco popular entre o actual eleitorado do Partido Republicano. Acabou por ser um dos vencedores da noite, mostrando estar bem preparado para este tipo de debates.
Exceptuando uma ou outra picardia sem grande relevo, sempre com Donald Trump como protagonista, os ataques pessoais ficaram à porta do debate. Pela primeira vez, os eleitores norte-americanos conseguiram perceber o que divide os candidatos do Partido Republicano, principalmente na economia, na imigração e na política externa.
O actual governador do Ohio, John Kasich, que chegou a este debate com uma média de 3% nas sondagens contra os 25% de Trump e os 24% de Carson, tem tentado fazer passar a mensagem de que o Partido Republicano precisa de alguém com experiência política (ele) para ter hipóteses de tirar a Casa Branca ao Partido Democrata. Para reforçar o seu argumento, atirou-se à proposta de Donald Trump para a imigração, numa troca de palavras em que Jeb Bush também se intrometeu.
“Em relação aos 11 milhões de pessoas, todos sabemos que não é possível apanhá-los e enviá-los para o outro lado da fronteira. É um raciocínio tolo. Não é um raciocínio adulto”, disse Kasich numa crítica a Donald Trump. Mas o magnata não tirou uma vírgula à sua já famosa proposta de expulsar todos os imigrantes sem documentos: “Somos um país de leis, precisamos de fronteiras. Vamos ter um muro, o muro vai ser construído, vai ter sucesso. E se pensam que um muro não funciona, basta perguntarem a Israel. O muro vai funcionar. Acreditem em mim.”
Bush juntou-se a Kasich e até disparou uma das tiradas da noite. “A campanha da Clinton até comemora quando ouve estas coisas”, disse Bush, ridicularizando a proposta de Donald Trump para a deportação de 11 milhões de pessoas.
Para além da imigração, os candidatos mostraram também as suas divergências em relação à política externa e aos gastos com o sector da Defesa. Rand Paul, o senador do Kentucky identificado com a ala libertária do Partido Republicano, marcou a diferença ao criticar os seus colegas de partido que defendem o aumento dos gastos na máquina militar do país – em particular o senador Marco Rubio e Carly Fiorina, antiga presidente executiva da Hewlett-Packard –, argumentando que não se pode ser conservador e, ao mesmo tempo, querer gastar milhares de milhões de dólares num exército que é de longe o mais poderoso do mundo.
Este foi um dos momentos em que Jeb Bush conseguiu saborear os aplausos da audiência, depois de Donald Trump ter reafirmado que, por ele, Vladimir Putin poderia continuar a “dar cabo do Estado Islâmico”. “Por que é que somos sempre nós a fazer o trabalho? Temos de ser mais inteligentes, não podemos continuar a ser os polícias do mundo”, disse Trump.
Pegando na deixa, Jeb Bush respondeu: “O Donald está completamente errado neste assunto. Não vamos ser os polícias do mundo, mas temos de ser os líderes do mundo.”