Euribor tem permitido uma poupança “invisível” às famílias

Com o aumento do consumo, a poupança dos portugueses caiu para mínimos históricos, mas a poupança indirecta, especialmente a que decorre das taxas Euribor, tem vido a subir.

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Ao mesmo tempo em que sentiram no bolso o aumento dos impostos e a redução de rendimento, os portugueses contaram, nos últimos sete anos, com uma ajuda inesperada à poupança, indirecta: a queda das taxas Euribor. Numa altura em que se comemora o dia Mundial da Poupança, o balanço do impacto da descida a pique destas taxas acaba por revelar que a queda reduziu a prestação da casa para praticamente um terço do valor, e acelerou a amortização do capital em dívida.

Depois de terem superado a barreira dos 5%, as taxas Euribor foram caindo até chegarem a níveis impensáveis aquando a sua criação. O prazo de três meses está em terreno negativo desde os finais de Abril (0,068%), caminho que será seguido, já nos próximos dias, pelo prazo de seis meses, o mais utilizado no crédito à habitação em Portugal, e que actualmente se situa nos 0,004%.

A redução da prestação foi directa e, por isso, sentida por praticamente pelos 2,1 milhões de empréstimos para a compra de casa (incluindo os contratos conexos), uma vez que em Portugal é muito reduzida (cerca de 3%), a opção por taxas fixas. Mas a queda do indexante teve uma outra poupança associada, indirecta, de que muitos portugueses podem não se aperceber. Trata-se de uma maior amortização do capital em dívida, o que faz com que, nos anos que faltam para pagar o empréstimo, os juros incidam sobre um montante inferior de capital. Logo, há uma poupança que vai continuar no futuro, e será tanto maior quanto mais elevada for a taxa de juro.

A poupança gerada pela queda dos juros é visível na evolução das taxas implícitas publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que têm a vantagem de reflectir os juros pagos pelo conjunto dos contratos à habitação existentes em Portugal. De Janeiro de 2009 a Setembro deste ano, a taxa caiu 79%, passando de 5,798% para 1,228%. Os dados do INE, calculados a partir dos valores enviados pelos bancos, mostram que a prestação caiu 33%, passando de um valor médio de 362 euros para 239 euros.

Menos dívida
Expressiva é a variação das duas componentes da prestação, a de juros e capital, com a primeira a cair 79,45% e a segunda a subir 80,5%. Enquanto em Janeiro de 2009 a prestação de 362 euros correspondia a 258 euros de juros e a 103 euros de amortização de capital, em Setembro deste ano a prestação de 239 euros correspondia 53 euros de juros e a 186 euros de capital amortizado.

A aceleração de amortização de capital é mais clara a partir da simulação de um empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos. Utilizando a taxa implícita do INE de Janeiro de 2009, de 5,798%, é possível verificar que, em sete anos (até 2015), o capital em dívida caiu para cerca de 133 mil euros, menos 15 mil euros que a dívida inicial. Com a taxa de Janeiro de 2010, ano em que recuou para 1,929% (na sequência de medidas do Banco Central Europeu para combater a crise financeira) e projectando a evolução para sete anos, ou 84 prestações mensais, o saldo em dívida cai para 122 mil euros. A mesma simulação, mas com a taxa do de Setembro deste ano, o saldo em dívida desce para 119 mil euros.

Em termos globais, o capital médio em dívida médio da totalidade dos contratos à habitação, utilizando a base do INE, caiu 4,2%, sendo necessário ter em conta que os dados do INE não reflectem apenas as amortizações dos empréstimos, incluindo também os novos contratados no stock total. O saldo total de crédito à habitação tem vindo a cair desde 2011, tendo registado uma primeira subida, embora muito ligeira em Setembro, a reflectir uma maior aceleração na concessão de novos empréstimos. O saldo total subiu 62 milhões de euros, para 100.388 milhões de euros.

Sobe e desce na poupança
Se a tendência tem sido de descida na prestação da casa, a poupança global das famílias (a parte do rendimento disponível que não é afecta às despesas de consumo) foi variando muito ao longo dos últimos anos, estando agora no nível mais baixo de sempre (desde que o INE calcula a taxa de poupança trimestral, ou seja, 1999).

Depois de estar num mínimo histórico de 5,2% em 2008, a poupança chegou em 2010 aos 10,5%, mas em 2011 e 2012, nos primeiros anos da presença da troika, já estava abaixo dos 8%. Em 2013, voltaria a subir, chegando momentaneamente aos 9%, mas a partir daí a tendência foi novamente de queda – passando para um valor abaixo dos 8% e 6%, estando agora nos 5%.

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O valor dos depósitos dos particulares tem vindo a crescer – e de forma mais expressiva nas contas à ordem, onde a movimentação de dinheiro pode ser feita a qualquer altura. Em Agosto, apesar de o valor depositado nos bancos ter diminuído face a Julho, o seu valor – 136.759 milhões de euros – continua em alta face ao mesmo período de 2014. Isto ao mesmo tempo em que o montante confiado ao Estado em certificados do tesouro e aforro está no valor mais alto de sempre (20.116 milhões de euros).

Confiança e consumo
Paula Carvalho, economista-chefe do departamento de estudos económicos e financeiros do BPI, explica a diferença de comportamento dos consumidores entre os primeiros anos do “ajustamento” e o momento actual. Nessa altura, a taxa de poupança aumentava apesar da “queda do rendimento disponível, reflectindo uma poupança precaucionária: as famílias estavam mais cautelosas, mais pessimistas quanto ao futuro, e optavam por aforrar uma parte maior que o habitual do seu rendimento disponível”. Mas com o aumento dos níveis de confiança – que está agora no nível mais alto desde 2001, apesar de se manter em terreno negativo – “por vezes aumenta a propensão ao consumo, significando que se gasta mais por unidade de rendimento recebido”. É isso que ajuda a explicar a queda recente da poupança.

Apesar da descida da taxa de poupança para um mínimo histórico, mas próximo dos valores de 2008, o economista João Borges de Assunção, coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) da Universidade Católica, lembra que “a taxa de poupança do total da economia, ou seja, de todos os sectores institucionais incluindo as famílias, tem vindo a evoluir favoravelmente desde 2010, mantendo-se acima do patamar de 15% desde o ano [móvel] terminado no segundo trimestre de 2013”.

Essa trajectória deve-se tanto ao “processo de redução da dívida financeira das empresas e a um maior recurso a capitais próprios para efeito de investimento”, como à diminuição das necessidades de financiamento das administrações públicas.

Segundo Borges de Assunção, que é também consultor de Cavaco Silva para os assuntos económicos, a descida da taxa de poupança deve ser vista com atenção porque “pode representar o regresso a um certo excesso de consumo face ao rendimento”.

No entanto, ressalva, pode também reflectir “uma certa correcção em alta na compra de bens duradouros após um período longo de compras abaixo do normal. A redução da poupança das famílias pode ainda ser um efeito secundário indesejável de uma maior confiança das famílias no futuro levando-as a diminuir a poupança que fazem por motivos de precaução”.

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