Sem ponta por onde se lhe pegue
Surpreendentemente para um filme de argumentista, A uma Hora Incerta não tem ponta narrativa por onde se lhe pegue.
Argumentista veterano (devem-se-lhe O Lugar do Morto e Jaime de António-Pedro Vasconcelos ou Mistérios de Lisboa de Raul Ruiz), Carlos Saboga ensaia com A uma Hora Incerta nova aventura na realização. Se a primeira, Photo (2012), não deixou memória, esta segunda é um desastre inexplicável que desbarata ideias interessantes: começa como um mistério na Lisboa “ninho de espiões” da Segunda Guerra Mundial, sobre um casal de refugiados franceses nos quais um inspector da PIDE tem um interesse particular; segue para um olhar sobre uma adolescente mimada (filha do inspector, cuja esposa está acamada com uma doença misteriosa) que transformou o enorme casarão onde a família vive num misto de refúgio e território de jogos; acaba como psicodrama sobre o utilitarismo expediente das relações humanas, que evoca as brincadeiras perigosas do Bonjour Tristesse de Françoise Sagan e Otto Preminger.
O problema é que, surpreendentemente para um filme de argumentista, não tem ponta narrativa por onde se lhe pegue, não encontra nunca o tom certo para articular as suas múltiplas pistas num todo consistente. Fica a ideia de estar aqui um conceito literário que poderia funcionar no papel, como uma novela algo onírica, mas que se desintegra assim que toca no écrã. E a duração que não chega à hora e meia, com o final abrupto como para “despachar” e um título que pouco sentido faz, sugere um projecto que se procurou “salvar” na mesa de montagem, mesmo que sem sucesso.
O que é ainda mais dramático é que este filme coxo, desconexo, infinitamente menos conseguido que o anónimo Photo, surge complementado por uma excelente curta de produção nacional: Coro dos Amantes de Tiago Guedes, sagaz exercício estereofónico baseado numa criação do dramaturgo Tiago Rodrigues, que coloca um daqueles eventos que mudam uma vida visto em simultâneo pelas duas partes do casal que o vive (Isabel Abreu e Gonçalo Waddington). A simplicidade do dispositivo, e a inteligência com que é posto em prática, é talvez o pior que se pode fazer ao filme de Saboga; vistos no espaço de uma mesma sessão, as forças de Coro dos Amantes apenas sublinham as fraquezas de A uma Hora Incerta.