Violência inter-religiosa está de volta à República Centro-Africana
Ataques e pilhagens dos últimos dias são os mais sangrentos em muitos meses. O grande receio é de um regresso aos dias de terror de 2013-2014.
É também essa a grande preocupação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, como disse o porta-voz Leo Dobbs, num encontro com a imprensa em que fez um balanço da nova vaga de violência que começou no sábado e é a mais sangrenta desde há mais de um ano: pelo menos 36 mortos, mais de cem feridos, 27.400 deslocados. Destes, 10 mil acorreram ao campo existente junto ao aeroporto M’ Poko, na capital, onde havia já cerca de 11 mil pessoas.
A Presidente, Catherine Samba Panza, encurtou a permanência em Nova Iorque, onde se deslocou para participar na Assembleia Geral das Nações Unidas. À chegada, na tarde desta terça-feira, ficou, segundo a Reuters, retida no aeroporto, devido a confrontos entre combatentes anti-balaka, predominantemente cristãos, que bloqueavam o caminho para a sua residência, e forças das Nações Unidas. Uma testemunha disse que dois helicópteros da missão miltar francesa voavam na área disparando contra a milícia predominantemente formada por cristãos.
Na madrugada de terça-feira, ouviram-se tiros, que se prolongaram para além da hora de levantamento do recolher obrigatório, as 6h (mesma hora em Portugal Continental). Fonte militar disse à AFP que foram disparados por forças de segurança para dispersar grupos que faziam pilhagens e vandalizaram instalações de organizações não-governamentais, das quais havia sido retirado o pessoal por questões de segurança. Entre os alvos estiveram a Première Urgence, a Cordaid e o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas.
Um sinal da dificuldade das forças internacionais em controlar a situação no país onde as granadas são mais baratas do que a Coca Cola, foi o apedrejamento de carros da Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana (Minusca). Instalações de forças de segurança, do ministério da Defesa e da rádio estatal foram também alvo de actos de violência, segundo o diário francês Le Monde. A maior parte dos funcionários da ONU tiveram de sair das suas casas por razões de segurança.
Esta terça-feira, pelo terceiro dia consecutivo, a capital esteve, segundo a AFP, paralisada por barricadas levantadas por manifestantes que reclamam a demissão de Samba Panza, devido à vaga de violência. Muitos residentes fecharam-se em casa. Na noite anterior cerca de 500 reclusos fugiram das prisões, segundo a representação das Nações Unidas.
Serão, na sua maior parte, membros das milícias anti-balaka que em 2013-2014 desencadearam uma campanha de vingança por anteriores massacres da coligação de antigos rebeldes muçulmanos Séléka, liderada por Michel Djotodia, que, em Março de 2013, derrubou o Presidente François Bozizé e tomou o poder que manteve até Janeiro de 2014. No auge da perseguição a muçulmanos, organizações como a Amnistia Internacional chegaram a denunciar uma “limpeza étnica” às claras na parte ocidental do país. Ao contingente da ONU juntaram-se no auge das perseguições forças francesas.
A morte de um jovem muçulmano condutor de moto-táxi, degolado no bairro PK-5, maioritariamente islâmico, foi, segundo habitantes ouvidos pela AFP, o detonador da violência que se propagou a bairros limítrofes. Um dado que fez aumentar as preocupações: há informações sobre a chegada à capital de novos grupos anti-balaka.
Antes de chegar a Bangui, a Presidente multiplicou-se em declarações. À BBC adiantou que as eleições previstas para Outubro serão adiadas – antes da vaga de violência estava marcado um referendo à nova Constituição, no dia 4, e a primeira volta das presidenciais, no dia 18. À rádio francesa RFI apontou, numa clara alusão a Bozizé e Djotodia, apontou o dedo a “antigos dirigentes que querem voltar ao poder “ e que sabem que não o conseguem por via eleitoral.