Turquia pode ajudar UE com os refugiados a troco de apoio contra os curdos
A Europa teme a chegada dos mais de dois milhões de refugiados sírios que vivem na Turquia. Para fechar as fronteiras, Ancara pede um preço elevado.
Os líderes europeus querem convencer a Turquia a apertar os seus controlos de fronteira com a União Europeia, agir contra as redes de tráfico humano no país e construir centros de documentação de refugiados. Esperam fazê-lo enviando mais fundos comunitários. Mas, na quarta-feira, segundo escreve o diário britânico Guardian, Ancara propôs colaborar com a União Europeia caso ela e os Estados Unidos apoiem a construção de zonas protegidas e de interdição aérea a Sul da sua fronteira com a Síria.
É uma velha ambição turca. Ancara insiste em dizer que, ao longo de uma cintura de 80 quilómetros de largura e 40 de profundidade, pode instalar novos campos de refugiados, impedir avanços de grupos extremistas como o autoproclamado Estado Islâmico e começar a repatriar alguns dos mais de dois milhões de sírios que hoje alberga em 25 campos. O plano foi recentemente discutido em Julho com os Estados Unidos, alegadamente como requisito para que os aviões norte-americanos pudessem usar as bases aéreas no Sul do país.
Há sérias dúvidas sobre quais são as verdadeiras intenções turcas em construir uma zona-tampão. O território proposto por Ancara é precisamente o troço de terreno que falta às milícias curdas na Síria conquistar para dominarem o Rojava – a cintura de terreno a Sul da Turquia que liga com o Curdistão iraquiano. “Um anel de fogo”, nas palavras do primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu.
É aqui que surge o dilema ocidental. Para Ancara, as milícias curdas na Síria, as YPG, não passam de uma organização terrorista aliada ao PKK turco (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) – com quem a Turquia reacendeu uma guerra civil que dura há 40 anos. Mas, para o Ocidente, não existe aliado mais valioso no combate ao Estado Islâmico na Síria. Retirar-lhes o território que a Turquia quer para zona-tampão é roubar-lhes um troço importante do seu sonho de autonomia.
A autonomia curda, mesmo no Norte da Síria, é um projecto que o Presidente e homem forte da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, há muito tenta impedir. A agravante é que a Turquia está outra vez em ambiente eleitoral, e o partido do Presidente procura recuperar a maioria absoluta incitando o sentimento nacionalista anti-curdo.
Dedo no gatilho
A Turquia é fundamental para limitar o fluxo de refugiados e migrantes para a Europa. Agora mais do que nunca. A guerra na Síria tem sido especialmente mortífera para as grandes cidades do Norte, como Kobani e Alepo, a poucos quilómetros da fronteira turca. Acontece algo de semelhante no Iraque para quem foge do autoproclamado Estado Islâmico através do Curdistão. O resultado, como escreve o Financial Times, é que há agora sete vezes mais de pessoas a entrarem irregularmente na Europa vindas da Turquia.
A chegada de 480 mil refugiados e migrantes desde o início do ano deixou a Europa em convulsão. Donald Tusk pôs o dedo na ferida e, em Bruxelas, disse que os Vinte e Oito se devem preparar para a chegada de milhões de pessoas. Não milhares. Na Turquia, estão à mercê das políticas de Ancara, como explica um refugiado de Alepo ao portal norte-americano da Al-Jazira. “E se houver uma mudança de regime aqui e o apoio à população síria acabar? E depois o quê?”
A resposta será provavelmente a Europa. E é por isso que os líderes europeus preferem estar nas boas graças da Turquia. Antes de Tusk, foi o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros a visitar Ancara, no início do mês, e, de lá, exigir que a União Europeia enviasse mais dinheiro para ajudar com a crise de refugiados no país. As próximas semanas serão decisivas. A chanceler alemã encontra-se nos próximos dias com o primeiro-ministro turco em Nova Iorque, para discutir a crise de refugiados na Europa. No início de Outubro, é Erdogan quem viaja para Bruxelas. Quererão saber se a União Europeia paga o seu preço.