Aos 16 anos, filhos adoptados podem ir à Segurança Social conhecer as suas origens

Novo regime de adopção foi publicado nesta terça-feira. Mota Soares promete que famílias candidatas a adoptar vão ser informadas a cada três meses sobre o seu processo.

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Governo pode autorizar instituições particulares a “proceder ao estudo de caracterização das crianças em situação de adoptabilidade” Paulo Ricca

O ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, Pedro Mota Soares, diz que a mudança está em linha com a “tendência generalizada” dos ordenamentos jurídicos mais próximos do português. Questionado pelo PÚBLICO sobre o porquê dos 16 anos como idade de acesso, explicou, por escrito: “A Convenção do Conselho da Europa sobre adopção prevê o acesso às origens como direito dos adoptados e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já o considerou como parte integrante do direito à identidade pessoal. Portugal honra esta tradição europeia e, seguindo as melhores práticas internacionais, permite o acesso a estes dados a partir da maioridade e, excepcionalmente, a partir dos 16 anos com autorização dos pais”.

Um novo artigo ao Código Civil foi criado — o 1990-A — que introduz, precisamente, a noção do “acesso ao conhecimento das origens”. E o regime jurídico da adopção concretiza como é que isso é possível: “As entidades competentes em matéria de adopção devem conservar as informações sobre a identidade, as origens e os antecedentes do adoptado, durante pelo menos 50 anos após a data do trânsito em julgado da sentença constitutiva do vínculo da adopção.”

Qualquer entidade pública ou privada, lê-se no diploma, “tem obrigação de fornecer às entidades competentes em matéria de adopção, incluindo ao Ministério Público, quando lhe sejam requeridas, as necessárias informações sobre os antecedentes do adoptado, os seus progenitores, tutores e detentores da guarda de facto, sem necessidade de obtenção do consentimento destes”.

Por “organismos da segurança social” entenda-se o Instituto da Segurança Social (ISS) do Continente, o ISS Madeira, o ISS Açores, e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Se o adoptado que pretende conhecer as suas origens tiver menos de 18 anos, precisa da autorização dos pais adoptivos ou do representante legal. A partir dos 18 pode ter acesso livremente ao processo e seus “preliminares”. Até agora o tribunal era a única entidade que podia autorizar a consulta do processo.

O novo regime, cujas linhas gerais haviam sido anunciadas em Maio, prevê ainda que os próprios pais adoptivos possam, em situações excepcionais, nomeadamente se estiverem em causa motivos de saúde do filho adoptado, ter acesso a elementos da história pessoal do menor. Mas aí não basta ir à Segurança Social. Tem de ser o tribunal a decidir.

Quando estão em causa crianças estrangeiras adoptadas em Portugal, estabelece-se que compete à Autoridade Central para a Adopção Internacional “garantir a conservação da informação de que disponha relativamente às origens da criança adoptada internacionalmente, em particular quanto à história pessoal incluindo a identidade dos progenitores”.

Tal como o PÚBLICO dava conta, num trabalho publicado em Junho sobre o tema, não é consensual a possibilidade de menores de idade terem direito autónomo de consulta de informação sobre as suas origens. “Acho que [antes dos 18 anos] não estão preparados, em termos de crescimento emocional, para o que podem encontrar”, dizia na altura o advogado José Esteves Aguiar, que já dirigiu uma associação de pais adoptivos e tem acompanhado processos desta natureza. “Podem encontrar situações de grande miséria.” Pode ser demasiado chocante, sustentava.

Fim aos 3 anos de espera
Há outras alterações à lei. O espírito da adopção é por regra o de corte radical com a família de origem. Mas a partir de agora admite-se que em “situações excepcionais” possa “ser estabelecida a manutenção de alguma forma de contacto pessoal” entre adoptado e família biológica — “favorecendo-se especialmente o relacionamento entre irmãos”. Os pais adoptivos têm de concordar. E isso tem de ser considerado algo que vai ser benéfico para o adoptado.

Mota Soares tem também dito em várias ocasiões que este regime jurídico vai permitir reduzir os prazos da adopção em Portugal. E nesta terça-feira reforçou a ideia. “Até hoje, uma família espera em média 3 anos. Para trás, para a frente. A investirem numa relação com os papéis, em vez de investirem numa relação de afectos com o futuro membro da família.”

Com o novo regime, diz, as famílias candidatas terão acesso, “trimestralmente, ao ponto de situação em que se encontra o seu caso.”

O diploma define diferentes fases no processo de adopção. “Teremos uma especialização das equipas de preparação, avaliação e selecção de candidatos e de crianças. Tal permitirá, por exemplo, que o estudo de caracterização da criança não ultrapasse os 30 dias, que a preparação, avaliação e selecção de candidatos a adoptantes não vá além dos seis meses”, prossegue Mota Soares.

A decisão do Conselho Nacional para a Adopção sobre se uma criança é adequada para um candidato e vice-versa deve ser tomada em 15 dias, diz ainda a lei. O período de transição, em que se promove o conhecimento mútuo da criança com a família escolhida, deve ser igualmente de 15 dias. E o período de pré-adopção não deve ser superior a 6 meses. Por fim, a decisão final do tribunal não deve durar mais de três meses.

Mota Soares diz que, com estes prazos estabelecidos, o processo administrativo de adopção não deverá ultrapassar no máximo os 12 meses, sem que o “rigor” seja descurado.

No final de 2014 havia 429 crianças em situação de adoptabilidade e 1805 candidatos a pais em lista de espera. A lei não resolve a disparidade entre as características das crianças e os desejos de quem quer adoptar: por exemplo, havia 214 crianças adoptáveis com 10 ou mais anos, mas apenas 72 candidatos se disponibilizaram a aceitar meninos com essa idade.

Apoio até aos 21
O novo regime reforça o acompanhamento que as famílias adoptivas podem ter após a adopção — até aos 18 anos do adoptado, podendo ser estendido até aos 21 anos, quando aquele solicite a continuidade da intervenção. E estabelece que instituições particulares sem fins lucrativos podem assumir funções que, em geral, competem ao organismos de segurança social — como “proceder ao estudo de caracterização das crianças em situação de adoptabilidade”. Ou preparar as crianças “para subsequente integração em famílias adoptivas”.

Estas instituições têm de cumprir certos requisitos como ter actividade na área da protecção da criança e ter equipas técnicas adequadas. O mandato para actuar tem de lhes ser dado pelo Governo (após parecer favorável do Conselho Nacional para a Adopção, organismo que deverá ser instalado nos próximos 30 dias) e a sua acção tem de ser acompanhada pelo organismo da segurança social da sua área. De resto, a lei prevê que a sua intervenção seja excepcional.

A adopção internacional fecha o diploma. Só pode acontecer quando não exista solução para a criança no país de residência habitual. E também não pode ocorrer quando “o país de origem se encontre em situação de conflito armado ou de catástrofe natural”. A Autoridade Central para a Adopção Internacional, nomeada pelo Governo, intervém em todos os processos.

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