Lançado Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal

Compilação do que foi sendo escrito sobre o processo de avaliação aos centros de investigação portugueses, tanto em Portugal como no estrangeiro.

Foto
Manuel Heitor (à esquerda) e Alexandre Quintanilha, aqui numa iniciativa em 2009 Manuel Roberto

Esta iniciativa não pode deixar de ser lida à luz do combate que se aproxima nas eleições legislativas. Um dos organizadores é Manuel Heitor, investigador do Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa, e que foi secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior entre 2005 e 2011, nos dois governos socialistas de José Sócrates e quando José Mariano Gago (1948-2015) era o ministro da Ciência e do Ensino Superior. João Sentieiro, presidente da FCT entre 2006 e 2010, também no período de Mariano Gago à frente da pasta da Ciência, e agora investigador do IST, é outro dos organizadores. Tal como Alexandre Quintanilha, antigo director do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, recentemente jubilado, e que é agora o cabeça de lista do PS no Porto às eleições legislativas de 4 de Outubro. Aliás, o PS no seu programa eleitoral propôs fazer uma auditoria à avaliação da FCT aos centros de investigação e, a seguir, lançar um novo processo de avaliação.

Por fim, o painel de organizadores do livro é composto pela investigadora Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e por Carlos Fiolhais, físico da Universidade de Coimbra e uma das vozes críticas mais sonantes, nomeadamente no blogue De Rerum Natura, sobre o último processo de avaliação da FCT aos centros de investigação portugueses.

A compilação dos textos é antecedida por um prefácio dos cinco organizadores, no qual consideram que a avaliação do sistema científico em Portugal sofreu uma “adulteração” nos últimos quatro anos de governação do PSD e CDS-PP. “Desde meados de 2011, com a mudança do governo e da tutela da ciência e tecnologia, a formulação das políticas públicas foi, pela primeira vez na nossa democracia, drasticamente alterada, traduzindo-se no aumento da selectividade no acesso à ciência, sobretudo com base em processos de ‘avaliação’ avulsos e tendo a aplicação de métodos e práticas de que não só não merecem o reconhecimento e a aceitação da comunidade cientifica nacional e internacional, como foram executadas de forma discricionária (…)”, lê-se no prefácio do Livro Negro da Avaliação Científica em Portugal, publicado apenas na Internet. “De facto, não há nenhum sistema científico sustentável que se baseia apenas num grupo restrito e exclusivo de cientistas. Esta é, aliás, uma ideia perigosamente próxima de tudo aquilo que impediu que Portugal assumisse mais cedo o desafio da ciência.”

Especificamente em relação à avaliação dos 322 centros de investigação portugueses, lançada pela FCT em 2013, e que se prolongou até ao início de 2015, para a atribuição de financiamentos anuais até 2020, considera-se no prefácio que este processo se caracterizou por “desresponsabilização” e “desrespeito” em relação à sua principal missão, com “falta de transparência, atropelo das boas práticas e introdução de alterações sucessivas das regras a meio do processo”. “Instalou-se um ambiente de insegurança, decorrente da forma arbitrária que passou a dominar os contornos e propósitos do processo de avaliação, comprometendo a credibilidade e o respeito pela FCT”, lê-se ainda.

“Os avaliadores, que em processos de avaliação anteriores, visitavam as instituições, visitaram apenas aquelas que, no papel, foram previamente apreciadas numa base administrativa e bibliométrica. Como resultado, uma fracção considerável das unidades [de investigação] ficou excluída do exercício da avaliação – cerca de 50% –, o que, como veio a constatar-se mais tarde, respeitava precisamente a indicação que constava nos termos de referência estabelecidos pela direcção da FCT para o exercício de avaliação. Orientações que, saliente-se, foram escondidas da comunidade científica durante meses.”

Os cortes das bolsas de doutoramentos e pós-doutoramentos, a descida do dinheiro total investido pelo país em investigação e desenvolvimento e a “emigração forçada de alguns dos recursos humanos mais qualificados” são outras das críticas deixadas no prefácio deste livro com 179 páginas e que inclui, além de artigos na imprensa portuguesa, artigos publicados no estrangeiro sobre a avaliação aos centros de investigação portugueses e os cortes de financiamento.

Sugerir correcção
Comentar