Imagens de choque obrigatórias nos maços de tabaco em 2016
Director-geral da Saúde assume que queria "lei mais restritiva". "Gostaria que tivesssemos ido mais longe", diz.
"Pretendia uma lei mais restritiva no que respeita à eliminação do chamado fumo em segunda mão [passivo]. Mas os deputados é que fizeram a lei. A lei é uma emanação da Assembleia da República”, acentua Francisco George.
Aprovada pelo Parlamento com os votos favoráveis do partidos da maioria (e o deputado socialista Manuel Mota), além da abstenção de todos os outros (também a deputada do CDS Cecília Meireles se absteve), o diploma apenas contou com o voto contra da deputada socialista Isabel Moreira. Substituindo a anterior (em vigor desde 2008), esta nova legislação estipula que as advertências de saúde em imagens devem ser acompanhadas de frases de alerta, do género daquelas a que os portugueses já se habituaram, mas agora os avisos serão combinados e passam a ocupar um espaço maior dos maços de tabaco, de 65% em ambas as faces.
Devem também incluir informações para deixar de fumar, como números de telefone. Entre as advertências em texto estão, por exemplo, a de que "Fumar pode matar o seu filho antes de ele nascer" , Fumar reduz a fertilidade", ou "Fumar provoca 9 em cada 10 cancros de pulmão". Passam ainda a ser obrigatórias as menções “Fumar mata – deixe já” e “O fumo do tabaco contém mais de 70 substâncias causadoras de cancro”.
As imagens nos maços de tabaco desencadearam grande controvérsia, tendo os partidos da oposição questionado a eficácia desta medida que já é aplicada em vários países, mas as fotos de choque passaram e vão mesmos ser obrigatórias.
Mas esta é apenas uma das novidades da complexa legislação que vem alargar a proibição de fumar a quase todos os locais públicos fechados, diminuindo as excepções actualmente em vigor e regulamentando os cigarros electrónicos, que até à data beneficiavam de um vazio legal. Os cigarros electrónicos que possuem nicotina vão passar a ter que exibir a advertência de que contêm esta substância e ficam sujeitos às mesmas restrições que os outros cigarros.
Transpondo duas directivas da União Europeia, a nova legislação começa por determinar a proibição de fumar nas áreas com serviço em todos os estabelecimentos de restauração e bebidas, incluindo os recintos de diversão, os casinos, os bingos, as salas de jogo, entre outras. Só que acaba por ser flexível, ao criar prazos alargados para entrada em vigor de uma série de regras e ao admitir de novo várias excepções.
Exemplos: as novas regras só entram em vigor a partir de 2021 nos estabelecimentos com áreas para fumadores, nomeadamente restaurantes que investiram em sistemas de extracção de ar e de ventilação para poderem ter espaços para este fim ou até para poderem ser destinados exclusivamente a fumadores, dado que é definida uma moratória para adaptação, até 31 de Dezembro de 2020.
Acresce que estes locais poderão continuar a ter áreas destinadas a fumadores, desde que estas não possuam qualquer serviço (designadamente de bar e restauração) e sejam “separadas fisicamente ou totalmente compartimentadas”, uma espécie de “aquários” ou de “cabines” como as que já existem, por exemplo, nos aeroportos. Estas áreas devem passar a dispor de um sistema de ventilação para o exterior com extracção de ar que permita "a manutenção de uma pressão negativa de pelo menos 5 Pa (Pascal)". Mas tudo isto ainda terá que ser regulamentado por portaria.
De resto, continuará a ser possível fumar numa série de espaços. A lei prevê que possam ser criadas salas exlusivamente destinadas a pacientes fumadores em hospitais e serviços psiquiátricos, em centros de tratamento e de reabilitação, em unidades de internamento de toxicodependentes e alcoólicos, em lares de idosos e em residências assistidas, desde que respeitem as regras acima referidas
Também as prisões podem ter espaços para este fim. Nas salas de jogo, casinos e nos estabelecimentos hoteleiros podem ser igualmente reservadas áreas não superiores a 40% para fumadores, desde que "tenham sistema de ventilação ou de extracção do ar para o exterior que evite que o fumo se espalhe às áreas contíguas".
Outras alterações têm que ver com o tabaco para cachimbos de água (narguilé). Percepcionado muitas vezes como menos nocivo, o narguilé passa a ser abrangido pelas mesmas regras de rotulagem, de forma a evitar que os consumidores sejam induzidos em erro. Mas também é dado um prazo para adaptação: podem ser vendidos de acordo com as regras actuais até Maio de 2017 desde que tenham sido importados até 20 de Maio de 2016.
Os produtos do tabaco com aromas distintivos passam igualmente a ser proibidos, sendo neste caso aplicável um período transitório até 20 de Maio de 2020, para os aditivos usados em produtos do tabaco cujo volume de vendas na União Europeia seja superior a 3 %, "como é o caso do mentol”. Os maços deixam ainda de poder usar termos como “light”, “suave”, “natural” ou “slim” para “não induzir os consumidores em erro, em particular os jovens, ao sugerir que esses produtos são menos nocivos.
Fonte de facturação
A nova legislação já tinha sido posta em causa por organizações não-governamentais de luta contra o tabagismo, que chegaram a pedir ao Parlamento que melhorasse a proposta do Governo. Juntando dezenas de organizações, este movimento reclamou a criação de espaços 100% livres de tabaco, sem excepções e exigiu que as novas regras entrassem de imediato em vigor, sem sucesso.
A Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo (COPPT), o Movimento das ONG Portuguesas pelo Controlo do Tabagismo (Mov.T), o Centro de Apoio, Tratamento e Recuperação (CATR) e a Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia alegaram, na altura, que que nenhuma das organizações que "defendem os interesses dos cidadãos" foi ouvida durante o processo de discussão da proposta de lei, apesar de o Governo ter consultado outras entidades do sector comercial e serviços, "com interesses particulares". Segundo declarou então Sofia Ravara, uma das coordenadoras deste movimento, "a lei, tal como está, prejudica a saúde pública e reforça as desigualdades em saúde, é uma lei fraca, permissiva e desadequada”. Dados de um estudo populacional de 2012 indicam que a esmagadora maioria dos portugueses (86%) são a favor de uma proibição total de fumar em nos locais públicos sem excepções. De acordo com os resultados do último Eurobarómetro, Portugal e a Eslovénia foram os únicos países da União Europeia (UE) em que houve uma aumento da proporção e fumadores nos últimos anos, face a 2006 (ver infografia)
Uma das principais causas de doenças graves mortais, o tabaco é simultaneamente uma significativa fonte de facturação para as empresas do sector e para o próprio Estado, porque permite uma cobrança anual da ordem de 1,5 mil milhões de euros em impostos (pelo menos era este montante o que estava previsto para 2015). Mas tudo indica que a previsão não se irá concretizar porque , até Junho, as receitas do imposto de consumo sobre o tabaco ascenderam a 543 milhões de euros.
Na comparação com 2012, data do anterior Eurobarómetro sobre "As atitudes dos europeus face ao tabaco", também se tinha observado em Portugal um aumento na prevalência de fumadores, igualmente em contraste com a tendência generalizada para o decréscimo do consumo de tabaco na UE.
Em média, nos Estados-membros, a proporção de fumadores passou de 28 para 26% neste período de tempo, enquanto em Portugal se verificou o contrário. As conclusões do inquérito indicam que haverá agora 25% de fumadores em Portugal, mas o país continua, mesmo assim, bem longe daqueles onde o consumo de tabaco é mais elevado, como a Grécia (38% de fumadores) e a Bulgária (35%). Do lado oposto perfilam-se a Suécia e a Finlândia, com 11% e 19% de consumidores de tabaco, respectivamente.