Homem que atacou TGV pode ter estado na Síria, apesar do controlo de segurança

Procura-se saber se o jovem marroquino esteve na Síria durante o ano em que desapareceu dos olhos das agências de segurança. O ataque foi travado por dois militares americanos, agora proclamados como heróis.

A polícia prossegue os interrogatórios em Paris, mas o atacante continua a negar a sua identidade
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A polícia prossegue os interrogatórios em Paris, mas o atacante continua a negar a sua identidade Francois Lenoir/Reuters
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Spencer Stone, um dos norte-americanos que travou o ataque, à saída do hospital REUTERS/Stringer
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Anthony Sadler, Alek Skarlatos e Chris Norman que evitaram o ataque REUTERS/Pascal Rossignol

O ataque desenrolou-se com contornos hollywoodescos. Faltavam cerca de dez minutos para as seis da tarde quando um francês se deparou com um homem, armado com uma Kalashnikov e uma pistola, a sair da casa-de-banho do vagão 12, a última carruagem do TGV. Por essa altura, o comboio acabara de entrar em França e seguia em Oignies. O passageiro tentou travar o atacante que disparou ainda alguns tiros, atingindo um outro passageiro no pescoço. O passageiro francês freou o passo do atacante, que se libertou dele e, com a sua metralhadora encravada, entrou no vagão em que viajavam três norte-americanos.

O relato dos acontecimentos fica por diante a cargo de Anthony Sadler. É o terceiro norte-americano, estudante e amigo de longa data dos homens que travaram o atacante: Alek Skarlatos, que acabara de regressar do Afeganistão onde esteve ao serviço da guarda nacional; e Spencer Stone, da Força Aérea norte-americana, estacionado na base das Lajes, nos Açores. Segundo Sadler, que não é militar, os seus dois amigos agiram muito rapidamente depois de ouvirem os primeiros tiros na outra carruagem. Esconderam-se entre os bancos e esperaram que o atacante entrasse. Quando o fez, estava a tentar desencravar a sua metralhadora.

“À medida que ele estava a tentar armá-la para a disparar, o Alek grita: ‘Spencer, vai!’, e o Spencer começa a correr pelo corredor fora”, descreveu o amigo. “O Spencer chega lá primeiro e ataca o homem, o Alek tira-lhe a arma das mãos e o homem saca de um x-acto e corta o Spencer algumas vezes na mão”. O norte-americano recebeu alta ainda neste sábado, mas o outro passageiro, de dupla nacionalidade americana e francesa, estava ainda internado no hospital de Lille, em condição séria mas estável. 

É neste momento que entram em cena o próprio Anthony Sadler, e também um quarto passageiro, o britânico Chris Norman. O atacante foi então agredido pelos quatro até ficar inconsciente. No curso da luta, Spencer recebeu cortes graves na mão e outros menos sérios no pescoço. “[O homem] cortou o Spencer atrás do pescoço e quase lhe cortava fora o polegar. O Spencer segurou-o e conseguimos eventualmente controlá-lo. Ficou inconsciente, creio”, disse Chris Norman.

Do Eliseu e da Casa Branca choveram imediatamente aclamações de heroísmo. O ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, agradeceu a “grande coragem” dos dois militares norte-americanos. “Sem o seu sangue-frio poderíamos confrontar-nos agora com uma tragédia horrível”. O Presidente francês, François Hollande, prometeu receber os três americanos e Chris Norman no Eliseu, já na segunda-feira. 

El Kahzzani, o radical?
O atacante é quase certamente Ayoub El Kahzzani, cidadão marroquino de 25 anos conhecido pelos serviços secretos espanhóis como um homem “muito radical e potencialmente perigoso”, apesar de continuar a negar esta identidade até ao início da noite de sábado. Mesmo depois de 18 horas de interrogatório em Arras, onde o comboio fez uma paragem de emergência e ele foi detido, e de uma carga contínua de perguntas já nos arredores de Paris, no centro de investigação antiterrorista de França. Mas as fontes de segurança ouvidas pela imprensa francesa e espanhola dão como certo que o é, de facto, El Kahzzani, e o próprio ministro francês do Interior disse aos jornalistas que esperava apenas por uma confirmação definitiva.

Inicialmente, Ayoub El Kahzzani recusou-se a dar sequer um nome. Horas mais tarde, segundo escreve o Libération, o marroquino aceitou finalmente identificar-se, mas usou um nome falso. Isto tudo enquanto insistia em dizer à polícia que o seu ataque não tinha motivações políticas, ou “terroristas” e que o seu objectivo era, na verdade, “roubar e assaltar os passageiros do comboio”. 

Quando foi detido, El Kahzzani tinha consigo duas malas com armas, munições e líquido incendiário. Para a Kalashnikov que empunhava quando foi travado, o marroquino tinha nove clipes de balas, um outro para a sua pistola automática de nove milímetros, uma faca e ainda uma garrafa de 50 centilitros que “cheirava a gasolina”, nas palavras do El País.

No sábado procurava-se saber se El Kahzzani agia em nome de algum grupo extremista islamista. A França, especificamente, tentava descobrir se recebia ordens de uma das organizações que atacaram o país em 2015: a Al-Qaeda no Iémen, que treinou os irmãos Kouachi, autores do sangrento ataque ao Charlie Hebdo; e o autoproclamado Estado Islâmico, o alegado grupo a que prestara lealdade o sequestrador no mercado de Paris, Amedy Coulibaly.

O que se sabe sobre o jovem marroquino foi recolhido pelos serviços secretos espanhóis durante os sete anos que este viveu no país, primeiro em Madrid e depois em Cádiz, segundo o El País. De acordo com o diário espanhol e a AFP, El Kahzzani frequentava mesquitas salafistas e estava próximo do “movimento radical islamista”. Foi preso três vezes por tráfico de droga e, no início de 2014, saiu do país, alegadamente para a França ou Bélgica. Os serviços secretos espanhóis alertaram em Fevereiro desse ano as agências dos dois países e, pelo menos em França, El Kahzzani recebeu a designação “S”, “Segurança de Estado”, que implica o controlo dos seus movimentos de fronteira, mas não a uma vigilância policial.

A grande dúvida: não se sabe onde esteve El Kahzzani desde que saiu de Espanha e foi novamente avistado, já em meados de 2015. Segundo a AFP, que cita uma fonte dos serviços secretos espanhóis, o jovem marroquino viajou de Cádiz para França e, daí, para a Síria. Terá regressado meses depois à França, de onde partiu para viver na Bélgica.

Mas é na Alemanha, em Berlim, que El Kahzzani volta a aparecer no radar dos serviços franceses, no dia 10 de Maio, quando compra um bilhete para Istambul. Os agentes franceses comunicaram-no aos parceiros espanhóis, mas, apenas dez dias depois de ter partido para a Turquia, os franceses registam-no novamente na Bélgica. Nada disto estava confirmado no sábado e o Libération escrevia que agência secreta turca procurava saber se El Kahzzani esteve, ou não, na Síria. 

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