Yassin Sahli, mais um nome que a polícia francesa esqueceu

Tal como os autores do massacre no Charlie Hebdo, também o responsável pelo atentado em Lyon era conhecido dos serviços secretos. Foi vigiado entre 2006 e 2008 e voltou a levantar suspeitas no ano passado.

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Sahli decapitou um homem que, mais tarde, foi identificado como o seu próprio patrão PHILIPPE DESMAZES/AFP

Yassin Sahli, de 35 anos, chamou a atenção das autoridades francesas em 2006, por suspeitas de estar em processo de radicalização – por outras palavras, havia informações suficientes para acreditar que ele estava cada vez mais próximo dos movimentos jihadistas.

Durante dois anos, Sahli teve o seu nome inscrito numa ficha da polícia que é partilhada por todas as forças de segurança e serviços secretos franceses, mas em 2008 as autoridades chegaram à conclusão de que não havia motivos para mantê-lo debaixo de olho. A ficha de Yassin Sahli foi apagada, e até 2011 nunca mais se ouviu falar dele.

Nesse ano, segundo o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, Yassin Sahli voltou a ser "alvo de atenção", devido a suspeitas de ligação a um grupo salafista com base em Lyon. Mas nem sequer voltou a ser aberta uma ficha em seu nome, porque "não era conhecido por ter ligações a pessoas envolvidas em actos ou planos terroristas".

O site da rádio francesa RTL avançou que as actividades de Sahli motivaram duas notificações por parte dos serviços secretos, em 2013 e 2014; numa delas, os agentes mostravam-se preocupados com as suas "ausências regulares, e por períodos de cerca de dois a três meses, sem que os destinos sejam conhecidos". Ainda assim, não foi aberta nenhuma investigação, e o nome de Yassin Sahli não voltou a constar na chamada Ficha S.

O facto de Sahli ser conhecido das autoridades há quase uma década foi destacado em quase todos os meios de comunicação franceses e discutido nas redes sociais. Afinal, seis meses depois do atentado contra o Charlie Hebdo, e com uma nova lei de reforço dos poderes dos serviços secretos aprovada pelo meio, o que continua a falhar?

A pressão sobre as autoridades foi posta pelo próprio primeiro-ministro francês, Manuel Valls, depois dos ataques de Janeiro, levados a cabo pelos irmãos Said e Cherif Kouachi e por Amedi Coulibaly: "Há uma falha óbvia. Quando morrem 17 pessoas, isso quer dizer que houve falhas."

A tentativa de resposta já estava em preparação há vários meses, mas o atentado contra o Charlie Hebdo deu o empurrão definitivo: o Governo francês obteve o apoio necessário para fazer aprovar uma profunda remodelação das leis que regulam os poderes dos serviços secretos, e que remontavam ao início da década de 1990. Para os seus defensores, foi apenas um encontro das leis com o século XXI, um mundo ligado através de uma rede que era ainda um mistério há 25 anos; para os seus críticos, é uma espécie de Patriot Act francês, numa alusão às leis aprovadas nos EUA após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, que abriram também a porta à espionagem em larga escala, que arrasta tudo e todos – criminosos, suspeitos e inocentes e que tem no centro da polémica a NSA.

"O Governo usou os ataques de Paris como um motivo para agir contra o terrorismo, mas a lei é muito mais abrangente do que isso", disse ao site do canal France 24 Felix Tréguer, fundador do grupo La Quadrature du Net, de defesa da privacidade na Internet. "A quantidade de razões que podem ser invocadas para recolher informação inclui espionagem industrial e científica e monitorização de movimentos sociais, entre outras coisas."

Mas em relação à ameaça terrorista, o problema dos serviços secretos franceses não parece ser a falta de informação. Para se ter uma ideia, a Ficha S (onde o nome do suspeito do atentado desta sexta-feira na região de Lyon esteve durante dois anos) corresponde a apenas uma das 21 subcategorias do mais antigo arquivo da polícia francesa, segundo o jornal Libération – o FPR, que contém cerca de 400.000 nomes e que foi criado em 1969.

É neste gigantesco arquivo que se encontra a Ficha S, reservada a nomes que podem constituir uma ameaça para a segurança nacional francesa, e que inclui jovens radicalizados mas também activistas políticos ou elementos de claques de equipas de futebol. Em 2012, havia cerca de 5000 fichas S, cada uma com o seu grau de perigosidade, numa escala de 1 a 16.

É esta pilha de fichas e nomes e subcategorias que a polícia e os serviços secretos têm de actualizar, analisar e avaliar constantemente, até ao dia em que alguém decide que uma dessas fichas pode ser arquivada. Foi isso que aconteceu com Yassin Sahli em 2008, e foi isso que aconteceu com os irmãos Kouachi em 2014, apenas sete meses antes de terem entrado na redacção do Charlie Hebdo e espalhado o terror no coração da Europa.

Apesar de ambos terem sido vigiados pela polícia durante anos – e de terem integrado a lista negra de voos dos EUA –, o chefe dos serviços secretos franceses, Patrick Calvar, acabou por decidir que já não valia a pena manter os seus ficheiros abertos.

"As escutas telefónicas não deram em nada. Se tivéssemos continuado [a escutá-los], estou convencido de que isso não iria alterar nada. Já ninguém tem conversas dessas ao telefone", disse ao The New York Times Marc Trévidic, procurador de Paris especializado na luta antiterrorismo.

Bernard Squarcini, o responsável da secreta francesa que pôs os Kouachi sob escuta, é da mesma opinião: "Não é possível seguir toda a gente. Eram dois alvos inactivos que estavam silenciosos há muito tempo. Não estavam a revelar nada."

Mais do que a falta de informação sobre suspeitos – o argumento que deu origem ao Patriot Act nos EUA e que tem empurrado muitos países europeus na mesma direcção –, o principal problema é poucas vezes discutido em público, pelo menos com a candura com que o fez Jean-Charles Brisard, director do Centro Francês de Análise do Terrorismo: "Precisamos de 25 agentes para vigiar fisicamente cada suspeito, escutar os seus telefones, vigiar os seus computadores, os seus iPads, ou o que seja. É virtualmente impossível monitorizar 3000 ou 5000 pessoas em França que sabemos estarem radicalizadas."

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