Rafael Marques condenado a seis meses de prisão com pena suspensa
Ministério Público pedia 30 dias de prisão para o activista e jornalista angolano. Os seus advogados vão recorrer da sentença.
Em declarações à AFP, Rafael Marques disse que “esta decisão mostra que são estes generais quem manda e que podem manipular as coisas à sua vontade”. O seu advogado, David Mendes, que considerou que o julgamento foi “irregular”, confirmou à saída do tribunal que iria recorrer da sentença ainda nesta quinta-feira. “Obviamente que vou recorrer de qualquer sentença que não seja a minha absolvição”, dissera na quarta-feira o jornalista à Rede Angola.
A sentença constituiu uma segunda surpresa no desfecho desde processo, depois de Rafael Marques e dos generais queixosos terem chegado a um acordo que, num primeiro momento, levou o jornalista e a sua defesa a acreditar num final distinto. Marques aceitou não republicar o livro, editado em Portugal em 2011 (ed. Tinta da China) e estava previsto o início de uma monitorização a possíveis violações de direitos humanos nas explorações diamantíferas nas Lundas.
O processo contra Rafael Marques foi motivado pelas denúncias de abusos de direitos humanos nas zonas diamantíferas das Lundas. No seu livro, os generais angolanos são acusados de cumplicidade com assassínios, torturas e outros abusos cometidos na região do Cuango.
Apesar do acordo, o julgamento não foi cancelado, o Ministério Público angolano pediu 30 dias de prisão para Rafael Marques e, finalmente, o Tribunal Provincial emitiu agora uma sentença de seis meses de prisão com pena suspensa e uma multa de 54 mil kuanzas (449 euros) a pagar nos primeiros seis meses da pena. Além disso, Rafael Marques fica obrigado a não reeditar ou imprimir o livro e a retirá-lo de circulação da Internet, onde é possível descarregá-lo gratuitamente no site da Tinta da China.
Porém, como adiantou o advogado de defesa, “enquanto a decisão estiver em recurso não se aplica” e Rafael Marques não só é livre para se movimentar à vontade como, se quiser, “pode reeditar o livro”.
“Este julgamento foi uma cilada”, repetiu à AFP o jornalista. Já tinha usado a mesma palavra quando foi conhecida a decisão do Ministério Público, de pedir pena de prisão de 30 dias.
“É uma decisão de primeira instância e nós vamos contestá-la”, disse David Mendes, que durante o julgamento também foi visado pelo juiz do processo, Adriano Cerveira Baptista. Este apresentou uma queixa contra o advogado por ter causado distúrbios no tribunal e por não “ter procuração” para representar Marques. David Mendes, que foi notificado na segunda-feira da queixa, respondeu à Ordem dos Advogados e Marques contestou a ocorrência de distúrbios: “Estavam observadores internacionais na sala do tribunal e o juiz foi único que viu distúrbios”, acrescentou.
Durante todo o julgamento, que se iniciou em Março, apenas Rafael Marques foi ouvido; o tribunal não chamou qualquer das suas testemunhas, muitas delas das Lundas. Os visados no seu livro (os queixosos) não foram chamados a depor — um dos generais queixosos é o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente de Angola, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”.
No início do processo, Rafael Marques tinha contra si oito acusações por denúncia caluniosa contra generais do exército que são co-proprietários das empresas privada de segurança Teleservice e de extracção diamantífera, Lumanhe, que é parte do consórcio Sociedade Mineira do Cuango. No retomar do julgamento, em Março, o Ministério Público acrescentou mais 15 acusações de difamação pelo facto de o livro ter sido publicado.
“Tendo em conta a má imagem para o governo que este processo está a provocar e o pernicioso que é para os militares, decidi oferecer as explicações e encerrar o caso, tendo em conta o interesse público. E que fez o Ministério Público? Acusou-me de ter admitido que não vi nenhum general a disparar sobre garimpeiros, quando no livro, em nenhum momento, digo que vi algum general a disparar sobre garimpeiros”, disse Rafael Marques numa entrevista publicada quarta-feira na Rede Angola. “Não sei se é má-fé ou falta de bom senso. Mesmo a manipulação da Justiça não pode ser feita de forma tão tosca”, acrescentou o jornalista e activista que na entrevista prometeu “contar tudo” o que se passou nos bastidores caso fosse condenado.
A editora de Rafael Marques em Portugal considerou “inaceitável” a condenação. “A primeira coisa que pensei foi: ‘pena suspensa por se dizer a verdade é óptimo, podia ter levado um tiro’. Normalmente é um tiro que se leva”, ironizou Bárbara Bulhosa. A editora considerou que “é grave que seja agora o Estado angolano que, em vez de investigar estes crimes gravíssimos que se passam naquele país, venha condenar o jornalista.”