O general a avançar e o exército da FIFA a desintegrar-se
Blatter entrou nesta quarta-feira em campo para se desmarcar das detenções, realizadas de manhã cedo, dos altos responsáveis da FIFA em Zurique e das suspeitas que sobre estes recaem.
A nata do dirigismo do futebol acordou sobressaltada, na madrugada desta quarta-feira, quando uma operação desencadeada pela justiça suíça, a pedido das autoridades norte-americanas, resultou numa “invasão” do hotel de luxo onde estão acomodados os elementos da FIFA. O mote para as sete detenções que se seguiram, segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, é um alegado esquema de corrupção entre dirigentes do organismo e empresas de marketing desportivo. Uma rede que dura há cerca de 20 anos, que se estendeu ao Mundial da África do Sul e cuja investigação levou à formalização de acusações de burla e corrupção contra 14 pessoas, contabilizando os executivos dessas firmas.
Na prática, trata-se de uma teia de influências que fez movimentar milhões de dólares a troco de favores — estima-se que o valor ronde os 150 milhões, que passaram, em parte, pela banca norte-americana. Loretta Lynch, procuradora-geral dos EUA, alude a uma prática de “corrupção que é galopante, sistémica e enraizada”: “Envolve pelo menos duas gerações de responsáveis futebolísticos, que abusaram das suas posições de confiança para adquirirem milhões de dólares em subornos”.
No rol de dirigentes acusados (ver caixa), contam-se nomes de peso, a maioria dos quais ligados à Concaf (confederação de associações de futebol da América do Norte, Central e Caraíbas) — cuja sede foi também alvo de buscas — e à Conmebol, congénere da América do Sul. Um dos mais mediáticos é o de Jeffrey Webb, um dos dois vice-presidentes da FIFA (do total dos sete que compõem o comité executivo), juntamente com o uruguaio Eugenio Figueredo, acusados de corrupção e burla.
Quatro dos visados, de resto, já se declararam culpados. E terão mesmo contribuído para as investigações das autoridades norte-americanas através de acordos de delação. Deste lote, o nome mais destacado é o de Chuck Blazer, ex-membro do comité executivo da FIFA, que já no passado denunciara irregularidades no interior do organismo.
Os detidos enfrentam agora pedidos de extradição para os EUA, sendo que alguns já se opuseram, o que obriga as autoridades norte-americanas a avançarem com uma solicitação formal, dentro de 40 dias. “Ficámos impressionados pela forma como isto decorreu durante tanto tempo e como toca quase tudo o que a FIFA fez”, confessou um responsável pela investigação ao The New York Times.
Tempestade perfeita
Este é, porém, apenas um dos processos em curso. Para a tempestade perfeita que nesta quarta-feira atingiu Zurique contribui uma segunda investigação, lançada no mesmo dia e que averigua suspeitas de ingerência e lavagem de dinheiro nas organizações dos próximos Mundiais de futebol, em 2018, na Rússia, e em 2022, no Qatar. A coberto desta operação, foram conduzidas buscas à sede da FIFA e, de acordo com as autoridades, retirados “dados electrónicos e documentos” do edifício.
Mesmo encostada à parede, a direcção do organismo tenta manter a aparente normalidade, procurando escudar-se no facto de ter participado parte dos factos às autoridades. “A FIFA deu início a este processo em 18 de Novembro de 2014, através de uma queixa apresentada na justiça e que tinha a ver com a atribuição dos Mundiais de 2018 e 2022 [suspeita da compra de votos]”, afirmou poucas horas depois das detenções Walter de Gregorio, director de comunicação do organismo.
Sem esconder a estranheza perante o timing da operação, que aconteceu a dois dias das eleições — “Talvez se explique por termos aqui uma grande cobertura internacional” —, o porta-voz apressou-se a separar as águas: “O secretário-geral [Jérome Valcke] e o presidente [Joseph Blatter] não estão envolvidos neste processo”, sublinhou, antes de insistir que esta “limpeza” é vista com bons olhos pelo organismo.
Mais tarde, seria o próprio Blatter a repisar a ideia de um “momento difícil” para a comunidade do futebol, insistindo que a FIFA tem actuado em várias frentes para promover a transparência e dando conta das consequências imediatas: “Esta conduta não pode ter lugar no futebol e vamos certificar-nos de que quem a adopta será afastado. O Comité de Ética agiu rapidamente e decidiu suspender provisoriamente todos os nomeados pelas autoridades de qualquer actividade ligada ao futebol, a nível nacional ou internacional”.
Sobre a eventualidade de um adiamento do acto eleitoral, nem uma palavra. Até porque, da parte da manhã, Walter de Gregorio já tinha descartado esse cenário: “Nunca houve a intenção de adiar o congresso ou as eleições. Vamos prosseguir e a eleição vai realizar-se de acordo com o planeado. Uma coisa nada tem a ver com a outra”, justificou, asseverando também que os Mundiais de 2018 e 2022 não estão em risco.
E nem a pressão feita posteriormente pela UEFA, que na sequência de uma reunião em Varsóvia reclamou uma nova data para o escrutínio, “dentro dos próximo seis meses”, fez Blatter vacilar.
Fica, assim, aberta a porta à reeleição do suíço de 79 anos, que terá como único opositor Ali bin al Hussein. O príncipe jordano está a tentar capitalizar o momento — “É necessária uma liderança que aceite a responsabilidade pelas suas acções e não sacuda as culpas” —, mas trava uma luta desigual contra um veterano que ontem viu reiterado o apoio das federações africanas e que tem na Europa os principais opositores.
Acontece que, como cada um dos 209 membros da FIFA dispõe de um voto único — o que significa que uma federação sem grande expressão, como a do Brunei, tem o mesmo peso que a congénere da Alemanha, por exemplo —, o suíço estará em vantagem, já que tradicionalmente reúne o apoio da Confederação Africana (56 membros) e de grande parte da Confederação Asiática (47), entre outros votos dispersos. No total, precisará de uma maioria de dois terços para ser eleito na primeira volta ou de uma maioria simples no caso de um segundo round. E tem saído vencedor desde 1998.