Inspectores do fisco “estranham” que Finanças não divulguem relatório completo da lista VIP

IGF só publicou conclusões. “A transparência não deve ‘assustar’ nenhuma instituição”, critica a APIT, que representa os inspectores tributários.

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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Miguel Manso

O organismo de inspecção do Ministério das Finanças, a quem o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ordenou um inquérito ao caso da lista VIP, só divulgou cinco páginas do relatório, com as “conclusões e recomendações”. O documento publicado na terça-feira no site da IGF permite perceber que há sete pontos do relatório que estão por divulgar. A IGF só deu a conhecer a última parte do inquérito (o ponto número oito), justificando a publicação das conclusões com um despacho do secretário de Estado, de segunda-feira, cujo teor também se desconhece. O PÚBLICO solicitou ao Ministério das Finanças o relatório completo, mas ainda não obteve resposta. Recorde-se que o Ministério das Finanças alterou, em Dezembro de 2013, a política de divulgação de relatórios da IGF, restringindo a publicação das informações, passando a publicitar apenas as conclusões e as recomendações.

“Ficámos ontem a conhecer as conclusões e recomendações da IGF. Estranhamos, contudo, que essa instituição não tenha procedido à divulgação integral do seu relatório. A transparência não deve ‘assustar’ nenhuma instituição e é necessário contextualizar algumas das conclusões que apresenta”, refere a APIT em comunicado, considerando que “a generalização assumida pela IGF, no que concerne à actuação dos funcionários da AT, é injusta e injustificável”.

No relatório, a IGF considera que há uma “insuficiente sensibilização dos trabalhadores, pela AT, sobre os princípios que norteiam as funções públicas, em especial o da persecução do interesse público e o da transparência, bem como das normas éticas e de conduta indispensáveis à conformação da acção de uma entidade com as competências da AT”.

A associação diz concordar com a necessidade “de identificar e responsabilizar quem de forma (alegadamente) ilegal e dissimulada criou e implementou o sistema de 'alarmística' em causa, assim como a necessidade de se disciplinarem os acessos de entidades externas aos dados fiscais registados na AT (sejam essas entidades públicas ou privadas)”. No entanto, aponta o dedo à IGF pela forma como apresenta as suas conclusões. “Mesmo na eventualidade de alguns comportamentos de um número extremamente reduzido de elementos da AT poderem ser enquadrados como infracções funcionais (e necessariamente penalizáveis), não se pode permitir que uma instituição com a qualidade e responsabilidade da IGF conclua por generalizações perigosas e que parecem criar um ambiente propício à instalação de mecanismos que possam obstaculizar o trabalho de excelência que tem vindo a ser prestado pela AT e pelos seus profissionais (dirigentes incluídos)”.

“O imenso e desenquadrado ruído que se estabeleceu neste processo (comentadores, políticos, jornalistas e outros) poder-se-ia constituir como fundamento para que se procure criar condicionamentos ao exercício, com inegável sucesso, das funções da AT. O que parece estar a suceder”, lamenta a APIT.

“Quem não deve não teme”
O relatório da IGF foi pedido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, um dos quatro nomes que estava incluído na lista VIP (os outros eram Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Cavaco Silva). O inquérito concluiu que Paulo Núncio não foi informado pelo ex-director-geral da AT, António Brigas Afonso, da “existência e do funcionamento” do sistema de alerta que permitia saber quem consultava os dados fiscais daqueles quatro contribuintes. E recomendou ao Ministério das Finanças que seja ponderada a instauração de procedimentos disciplinares aos funcionários e dirigentes envolvidos no caso.

À Lusa, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, já veio considerar que o relatório “não é isento, nem idóneo”, voltando a pedir a demissão de Paulo Núncio. Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da APIT, Nuno Barroso, não coloca em causa “a independência e o profissionalismo dos colegas da IGF, que fizeram o trabalho com as melhores condições que lhes puseram à disposição”, mas discorda das conclusões. E não poupa de críticas o secretário de Estado, por este ter pedido entretanto que a AT elabore em 25 dias um plano de acção para responder às recomendações elaboradas pela IGF e pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, que também avançou com um inquérito ao caso da lista VIP.

“Tememos que a pressa em apresentar 'serviço' confirme o adágio popular desta ser inimiga da perfeição. Analisamos com alguma preocupação os despachos que a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais emitiu, em resultado deste relatório, no sentido de a AT proceder (num curtíssimo espaço de tempo – até 19 de Junho) ao desenvolvimento de propostas que criem mecanismos de registo, de verificação ou de monitorização do acesso a dados fiscais dos contribuintes”, refere a APIT. “Quem não deve não teme, e não existe qualquer receio de ver o nosso trabalho a ser analisado, mas não aceitaremos mecanismos que possam constituir-se como condicionadores ou limitadores da acção da AT”, acrescenta a associação.

No mesmo dia em que foram publicadas as conclusões do relatório, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais emitiu um despacho para corrigir “fragilidades estruturais relacionados com a protecção do sigilo fiscal”. O despacho, com data de terça-feira, e a que o PÚBLICO teve acesso, também não tinha sido publicado na página da AT até à publicação desta notícia.

No documento, Paulo Núncio pede que a directora-geral da AT, Helena Borges, dê seguimento à recomendação da IGF para que sejam avaliados “todos os actos, factos e declarações relevantes” dos funcionários e dirigentes do fisco com responsabilidades no caso da lista VIP, para serem ponderados eventuais procedimentos disciplinares.

O plano de acção tem de respeitar as recomendações, quer da IGF, quer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, a quem a AT tem de dar conhecimento destas medidas até ao fim de Setembro, quando termina o prazo de seis meses imposto na deliberação da CNPD, de Março.

Entre outras medidas, o secretário de Estado determinou que sejam desenvolvidos “os mecanismos informáticos que assegurem que os acessos realizados a dados pessoais de contribuintes por utilizadores internos são devidamente justificados e fundamentados, tendo designadamente como referência o procedimento já adoptado no desenho e concretização do sistema E-factura”. A AT está também incumbida de reformular o seu plano segurança informática, rever a contratação de entidades externas com acesso às bases de dados da AT e criar mecanismo de certificação e auditoria informática.

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