O padre Constantino pediu ao Bloco que reforce a consciência cívica

Jornadas parlamentares em Setúbal dedicadas à emergência social foram ao encontro de histórias difíceis na Belavista que representam o Portugal pós-troika.

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As mais de 800 cantinas sociais em todo o país serviram nos primeiros dez meses do ano passado mais de 14 milhões de refeições Paulo Pimenta

O padre é um dos motores da solidariedade social no problemático bairro da Belavista, em Setúbal. E o Bloco de Esquerda viu nele um excelente interlocutor para ajudar o partido a identificar formas de enfrentar a emergência social com propostas legislativas, tema a que dedica as suas jornadas parlamentares que terminam esta terça-feira em Setúbal. “O nosso objectivo é podermos aprender convosco como responder à pobreza e exclusão social”, disse Pedro Filipe Soares.

À mesma mesa coberta por uma toalha plastificada vermelha às bolas brancas onde todos os dias se sentam para jantar 125 pessoas, os deputados bloquistas ouviram um desfiar de histórias de vida complicadas. Do imigrante que perdeu o subsídio de desemprego porque teve uma oportunidade de emprego que durou pouco e cuja mulher está internada, às famílias inteiras que não têm comida para pôr na mesa para os filhos, e que às 19h já esperavam à porta da igreja com os sacos do supermercado ou do pão e lancheiras para levar alimento para casa.

São ali servidas quase 4000 refeições por mês (já foram 180 mil, desde que o espaço abriu em 2011), de que a igreja paga apenas um terço do custo. Os 3000 euros aparecem vindos da solidariedade, dos peditórios, tal como vai aparecendo dinheiro para se pagarem contas de água e luz a quem está em risco que lhas cortem. Tudo ali é feito com base no voluntariado de 45 pessoas, desde as que servem as refeições aos que dão aulas de Português, Inglês, Francês, Informática, Música ou Pintura no átrio da igreja. E assim será na clínica dentária que vai abrir em Julho.

“Eu não faço nada disto. Abrimos as portas e é a comunidade que faz este trabalho”, contou o padre, defensor incondicional da “solidariedade humana”, que gosta de abrir o livro do Papa Francisco, já muito sublinhado e cheio de anotações, e ler citações. “A comunidade é como o colo da mãe para uma criança: quando não se tem mais sítio para onde ir é para lá que se corre.”

“A luta contra a pobreza envolve a luta contra as causas estruturais em simultâneo com acções solidárias”, defendeu o pároco, admitindo os “riscos do assistencialismo” e dizendo ser contra quem defende que, perante as dificuldades, se deva “ir para a rua gritar contra o Governo.”

O padre Constantino Alves diz que o projecto aposta na dignificação da refeição e do ambiente que se vive entre os que ali vão comer, na responsabilidade financeira (há quem pague 20 cêntimos pelo jantar porque tem alguns rendimentos), na coesão social e na capacitação (daqui a dias haverá aulas de economia doméstica, por exemplo).

Antes da subida à Belavista, os deputados bloquistas andaram de barco, onde as calmas águas do Sado encontram o mar, bem no sopé da serra da Arrábida, numa acção dedicada ao ambiente. Um passeio em dois barcos usados para a pesca desportiva e para passear turistas. No Moreira, do mestre José António – um ex-pescador que deixou a faina ao terceiro susto valente – o trajecto da lota de Setúbal até à praia da Figueirinha fez-se ao som do multifacetado cantor Jorge Nice (lê-se ‘naice’): “É ma gajinha que mora aqui ó pé”, cantava o lisboeta de nascença, setubalense de coração, para não falar sobre outras expressões brejeiras deslocadas num contexto bloquista como “pequenina tens o tamanho ideal para a prática sexual”.

Passando à parte séria: o objectivo do Bloco era mostrar a destruição que a pedreira, a cimenteira e co-incineradora da Secil têm provocado naquela área protegida. A cimenteira tem, por isso, que sair dali, defendeu Catarina Martins. Que anunciou a entrega no Parlamento de um projecto de resolução que recomenda ao Governo a avaliação e a revisão do plano de ordenamento do parque natural da Arrábida. Afinal, o actual contrato de exploração da cimenteira foi prolongado por mais 20 anos, até 2044 – ou seja, em vez de limitar a actividade na serra, o plano de ordenamento em vigor acabou por alargá-la.

Hoje, a área explorada é já de cerca de 300 hectares, com diversas crateras gigantes na serra. Que se vêem na estrada da serra, mas não do mar. Do meio da água percebe-se, pelo contrário, o esforço em tapar as encostas exploradas com vegetação, admite o mestre José António, que conhece a zona a palmo. Além do fim da incineração e da cimenteira na serra – assegurando os postos de trabalho noutro local, salientou Catarina Martins -, o BE quer também, entre outras medidas, um travão à construção das casas de luxo de férias, a legalização das casas da população local, a promoção da pequena agricultura e pastorícia e a revisão das proibições de pesca naquela faixa da costa de Setúbal.

 

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