Floyd Mayweather Jr: Perfeccionista no ringue, imperfeito fora dele
Venceu todos os combates que disputou como profissional. O último, pelo qual o mundo esperou cinco anos, rendeu cerca de 200 milhões de dólares a este pugilista que, quando vai às compras, leva um assistente para carregar as notas numa mochila. Mayweather já esteve preso, por violência doméstica, e não se importa de não ser o mais popular do boxe: “Pelo menos sabem quem sou.”
Esse conforto não é alheio ao facto de o pugilista norte-americano estar cotado como o atleta mais bem pago do mundo. Estima-se que pelos 36 minutos de combate com Pacquiao venha a entrar na sua conta bancária qualquer coisa da ordem dos 200 milhões de dólares (mais de 178 milhões de euros). Houve gente a pagar mais de 100 mil dólares por um bilhete junto ao ringue no casino MGM Grand Arena, em Los Angeles. Mayweather foi o vilão até ao fim, mesmo tratando-se de um campeão americano, na cidade onde morou durante quase toda a vida. “Às vezes Darth Vader ganha”, resumiu Michael Powell no The New York Times. Ele prefere que lhe chamem “Money” Mayweather.
Mais do que outra coisa, Mayweather assume-se como um entertainer, sem margem para dúvida: é mais importante ser reconhecido do que adorado. “O produto que eu vendo é único. É fantástico que o meu nome ainda circule, apesar de eu não estar longe dos 40 anos. Se entro no ringue e os adeptos me aplaudem, tudo bem. Se me apupam, tudo bem também. Porque pelo menos sabem quem eu sou”, admitiu em 2012 no documentário 30 Days in May.
Daí o comportamento arrogante e exibicionista, por vezes excêntrico. As declarações polémicas e provocatórias. Faz tudo parte de um espectáculo cuidadosamente arquitectado. “[Muhammad] Ali auto-intitulava-se o maior, mas esta é a minha era. Eu sou o TBE (The Best Ever, o melhor de sempre). Esforço-me por ser um perfeccionista. Sou o TBE não só dentro do ringue. Sou um pugilista ponderado que faz as jogadas mais inteligentes fora dele”, disse poucas horas depois da vitória (por decisão unânime dos juízes) sobre Pacquiao.
Juntar o norte-americano e o filipino no ringue foi uma autêntica odisseia. Foram cinco anos de negociações, de avanços e recuos, de crispação, que ajudaram a tornar este combate numa obsessão para o mundo do boxe. Não faltaram motivos para divergência: a divisão das receitas, a exigência de Mayweather que ambos se submetessem a análises ao sangue para detecção de substâncias proibidas, que nome surgiria primeiro no cartaz, que pugilista subiria primeiro ao ringue, qual a ordem da apresentação...
O tempo perdido teve implicações na qualidade do combate, que alguns analistas rotularam como aborrecido. Com 38 e 36 anos, respectivamente, Mayweather e Pacquiao já não estão no auge das carreiras e não proporcionaram um espectáculo à altura das expectativas. Viria a saber-se mais tarde que o filipino sofrera uma lesão no ombro direito durante a preparação. E “Money” Mayweather concentrou-se nas suas qualidades defensivas, esquivando-se de quase todos os golpes do adversário. “Esperámos cinco anos por isto... decepcionante”, desabafou na rede social Twitter o ex-pugilista Mike Tyson.
Floyd Joy Sinclair nasceu em Grand Rapids, no estado do Michigan, a 24 de Fevereiro de 1977, no seio de uma família obcecada pelo boxe. O pai e os dois tios foram pugilistas profissionais e tiveram uma forte influência na escolha de vida de Floyd, embora o relacionamento com Floyd Mayweather Sr. tenha conhecido altos e baixos ao longo dos anos. Actualmente o pai é o seu treinador e foi o seu "segundo" (elemento no canto do ringue) no combate com Pacquiao. A mãe era toxicodependente e, por vezes, faltavam em casa as coisas mais básicas. Isso contribuiu para o obstinado perfeccionismo de “Money” Mayweather, como admitiu numa entrevista: “Desde o início da minha carreira, sempre tive um plano. É tal e qual como no xadrez. Calculamos as jogadas que fazemos, no ringue e fora dele. Tenho a equipa certa e rodeei-me das peças de xadrez certas. À medida que fico mais velho, fico mais sábio”.
Isto não é necessariamente verdade no caso de Floyd Mayweather que, aos 38 anos, consegue ser tão excêntrico e possessivo como uma criança mimada, ou pior ainda. E chocantemente misógino: “Quanto às mulheres... apesar de não dar para conduzir dez carros de uma vez, há pessoas que têm dez carros. Por isso, sinto que o mesmo se deve aplicar às mulheres. Se consegues tratar de 20, porque não ter 20?”, questionava no documentário 30 Days in May, sem pestanejar.
Este sentimento de posse relativamente às mulheres traduz-se no seu comportamento. Na última década, foi acusado de agredir cinco mulheres diferentes em pelo menos sete ocasiões distintas, incluindo um incidente em 2010 que o levou à prisão. Mas, ironicamente, o pugilista até começou por se arvorar em defensor das vítimas: em 2001, antes de um combate com Diego Corrales (que enfrentava uma sentença de prisão por agressão à esposa), Mayweather dedicou, num tom provocatório evidente, a sua prestação a “todas as mulheres maltratadas no mundo”. A vitória não fugiu, mas as boas intenções rapidamente desapareceram.
Menos de um mês depois, estava nas notícias uma discussão, a envolver Mayweather e Melissa Brim, mãe da filha do pugilista, que degenerou em agressões. Por este incidente, Mayweather seria acusado por violência doméstica e condenado com pena suspensa. Mas era só o início. Em 2003 duas amigas de Josie Harris (mãe de três dos filhos de Floyd) apresentaram queixa contra Mayweather, que foi acusado de agressão e novamente condenado a pena suspensa. Meses depois, um incidente com a própria Josie Harris, que chegou a ser puxada pelos cabelos para fora do carro do pugilista. Porém, quando o caso chegou a julgamento, Harris contava uma história diferente, sublinhando que Mayweather nunca a agrediria porque “tem o coração de um ursinho de peluche”.
O caso mais célebre do triste currículo de violência de “Money” Mayweather aconteceu em Setembro de 2010, quando o pugilista quis confirmar as suspeitas de que Josie Harris andava a encontrar-se com um jogador de basquetebol. Harris já estava separada de Mayweather, mas continuava a viver numa casa dele. Tudo começou com uma discussão acalorada às 2h30, a que a chegada da polícia colocou um ponto final. Mas o pugilista voltaria cerca das 5h: os gritos recomeçaram até Harris admitir o relacionamento, após o que Mayweather a socou na nuca (para evitar marcas visíveis), puxou-a pelos cabeços, torceu-lhe o braço e ameaçou matá-la e ao basquetebolista, contava a imprensa norte-americana. Seriam os próprios filhos a chamar a polícia. O incidente chegou a julgamento, com Mayweather a obter um acordo para cumprir 90 dias de prisão por delito menor de violência doméstica.
Sempre ficou no ar a ideia de que Mayweather beneficiara de um tratamento privilegiado. Não só nunca teve a sua licença suspensa pelas autoridades desportivas, ao contrário de outros atletas, como ainda seria publicamente elogiado como “um maravilhoso modelo a seguir no boxe”. Pôde escolher quando quis começar a cumprir a pena (após um combate com o porto-riquenho Miguel Cotto), supostamente pelo valor económico que consegue atrair para Las Vegas. E, dois meses depois de ter sido detido, foi colocado em liberdade por bom comportamento.
É questionável que o episódio lhe tenha servido de lição. “Sou negro, sou rico e não tenho rodeios” serve como divisa para Mayweather, que no documentário acima referido abre uma janela sobre o seu lado mais íntimo – e extravagante. A colecção de carros de luxo, os intermináveis guarda-roupas, as jóias. Os malabarismos com grossos maços de notas, as festas com strippers e as compras em lojas de luxo (“Money” Mayweather tem um assistente cuja função é carregar os volumosos maços de notas numa mochila). O materialismo define-o. Quando lhe perguntaram qual a importância do combate com Pacquiao, respondeu que a sua motivação era exclusivamente o dinheiro: “Cada um dos meus filhos vai receber 50 milhões de dólares (44,6 milhões de euros) do combate. Eles não podem comer um registo sem derrotas, mas podem comer dinheiro”.
A confiança excessiva de um homem que jurou não voltar a conhecer o sabor da derrota após perder com o búlgaro Serafim Todorov nas meias-finais dos Jogos Olímpicos de 1996 (tornar-se-ia profissional logo a seguir, e manteve a promessa) rendeu-lhe uma conta bancária muito recheada e 11 títulos mundiais nas várias categorias de peso. O fim da carreira poderá estar próximo. Após derrotar Pacquiao, Mayweather afirmou que fará mais um combate, em Setembro, antes de se despedir dos ringues: “Quero dar uma oportunidade aos outros pugilistas. Não sou ganancioso”. A história consagrá-lo-á como o melhor do seu tempo. Mas, definitivamente, não como o mais popular.