A noite em que Miliband rejeitou o “pacto diabólico” com os nacionalistas escoceses

Os eleitores puderam fazer as perguntas que quiseram. Foram duros, por vezes até agressivos, com os três políticos que estiveram à sua frente. Foi a última oportunidade antes das eleições para Cameron, Miliband e Clegg convencerem milhões de indecisos.

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Os eleitores disseram que Miliband foi dos três o que melhor se portou Stefan Roussea/Reuters

“Deixem-me ser claro: não vamos fazer qualquer acordo com o SNP, não vamos formar uma coligação. Se isto significar que não vamos para o governo, então que seja assim”, disse o líder trabalhista, respondendo a uma pergunta de um eleitor, numa sessão de esclarecimento organizada pela BBC em que os três líderes dos principais partidos foram confrontados directamente, mas em separado, pela audiência, durante 20 minutos cada um.

“Não vou sacrificar o futuro do nosso país, a unidade do nosso país. Não vou dar ao SNP margem para fazer exigências sobre o Trident, sobre o défice ou sobre qualquer outra coisa”, disse Miliband. O Trident é o programa nuclear militar britânico, que os nacionalistas escoceses querem abandonar, canalizando as verbas gastas para aumentar o investimento do governo nas áreas sociais.

A sessão de perguntas e respostas aos líderes – Miliband, o primeiro-ministro conservador, David Cameron, e o seu vice, o liberal-democrata Nick Clegg – era considerada a última possibilidade de os três homens convencerem os eleitores a passar para o seu lado nas legislativas da próxima quinta-feira. Há milhões de eleitores indecisos, mostram as sondagens, que dizem também que a eleição está empatada entre Cameron e Miliband.

A líder do SNP, Nicola Sturgeon, propôs uma coligação aos trabalhistas, que já a tinham rejeitado e, agora, Miliband afastou também o cenário de uma aliança tácita que lhe dava um número substancial de deputados que o poderiam colocar mais perto da maioria e, por isso, da chefia do governo.

O pacto oferecido por Sturgeon, porém, não facilitou a vida do trabalhista na recta final da campanha eleitoral – David Cameron chamou-lhe “pacto diabólico” que destruiria a nação, fragmentando-a.

“Se quiserem um governo trabalhista, votem trabalhista”, voltou a dizer Miliband, tentando atrair os indecisos e, eventualmente, alguns dos escoceses que abandonaram o Labour em favor da ideia da independência. A perda dos deputados que elegia na Escócia pode fazer Miliband perder Downing Street.

Dia 7 se saberá se o jogo de alto risco de Miliband compensou. Sturgeon, que não demorou a responder-lhe, disse que o povo não lhe vai perdoar, se permitir que os conservadores continuem a governar o Reino Unido. O líder trabalhista deixou claro que dará luta, se o escrutínio confirmar a possibilidade de as legislativas criarem um “Parlamento suspenso”, sem maiorias. Está disposto a arriscar governar sobre o arame e, nessa altura, desafiará os outros partidos a chumbarem o seu programa de governo.

Os comentadores políticos disseram, mal o programa terminou, que a sessão de perguntas foi mais do que dura, foi mesmo agressiva. Os eleitores estavam muito bem preparados – menos um que confrontou Clegg com a circunstância de oito ou nove países da Europa querem sair da União Europeia, entre eles a Espanha; o liberal-democrata tentou em vão explicar-lhe que não era bem isso. De resto, assumiram os comentadores, os eleitores fizeram perguntas mais directas e pertinentes do que as que se ouviram nos debates conduzidos por jornalistas.

Miliband foi confrontado com a prestação do último governo trabalhista, que aumentou a despesa pública e deixou um défice elevado. O candidato rejeitou a acusação. “Foram construídas escolas, foram construídos hospitais, foi muita coisa feita que de outra forma não teria sido começada”, disse Miliband.

Cameron, quando chegou a sua vez, tirou um papel do bolso com um recado que, no início do seu mandato, há cinco anos, o seu ministro das Finanças lhe deixou, para falar dos riscos de um novo crescimento do défice. O recado dizia: “Não há dinheiro.”

Miliband, que há dias anunciou que não aumentará o IVA e o IRS – para vincar que falava a sério, prometeu fazer legislação a dizer isso mesmo e a ironia de precisar de um decreto para cumprir uma promessa eleitoral não passou despercebida à plateia –, foi sobretudo questionado sobre um tema que se tem esquivado a explicar. Como irá cortar 12 mil milhões de libras (mais de 16 mil milhões de euros) na Segurança Social entre 2017 e 2018. Disse que não iria cortar os apoios à família (uma espécie de abono), mas advertiu que, se os outros partidos chumbarem a reforma da Segurança Social, terá de fazer “cortes profundos” nos serviços públicos como o da Saúde.

A pergunta sobre a reforma da Segurança Social ficou novamente sem resposta, mas no final os eleitores disseram que foi dos três o que melhor se portou. 

Clegg enfrentou os eleitores numa posição desconfortável. As sondagens dizem que o seu partido vai perder perto de metade dos deputados e que ele próprio poderá perder o seu lugar de deputado, a favor de um conservador. “Chamem-me antiquado – disse Clegg sobre estes números –, mas se querem mesmo saber como irão as pessoas votar, façam-no bem.” O seu partido, que ouve muitas mais pessoas do que as sondagens, tem números diferentes e que lhe são favoráveis.

Os liberais-democratas deverão ser o partido mais penalizado pelo descontentamento dos cidadãos em relação ao Governo, o que se notou na quinta-feira à noite. Clegg foi confrontado com todas as promessas que fez há cinco anos, pedaços do programa de governo dos lib-dem que foram esmagadas pelo Orçamento e pelo peso dos conservadores na coligação.

Muitos analistas consideram que esta penalização é injusta para Clegg e sublinham o papel de equilíbrio dos liberais-democratas na coligação, refreando ou travando medidas mais duras por parte do Governo. Mas logo na primeira pergunta um eleitor disse-lhe: “Prometeu abolir as propinas e não o fez. Como espera que acreditemos em si agora?” Clegg sorriu e desabafou: "As pessoas só se lembram do que corre mal."

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