O dia do planeta Terra
O planeta Terra mostra resiliência, como se se tratasse dum superorganismo, apesar de todos os riscos que o Homem lhe faz correr.
O ponto de não retorno ainda não foi atingido e a “teoria de Gaia”, proposta por James Lovelock, parece continuar a resultar: o planeta Terra mostra resiliência, como se se tratasse dum superorganismo, apesar de todos os riscos que o Homem lhe faz correr. Lembra a história de Pedro e o Lobo. Os lenhadores não acreditavam nas partidas que o Pedro pregava, porque não havia lobo, o problema foi quando ele apareceu mesmo. No caso do nosso planeta, os cientistas avisam, não para pregar partidas, mas para alertar para os riscos e consequências das nossas opções.
O planeta sofre riscos, cada vez mais complexos e interligados, que transcendem fronteiras políticas e sectores económicos, tal como refere o relatório recentemente publicado pelo World Economic Forum – ou seja, a globalização está a alterar a natureza do risco, porque catástrofes num local provocam efeito dominó noutras regiões. O caso mais paradigmático foi este ano vivido pelo Brasil com o problema da falta de água potável em São Paulo, em resultado do excesso de desmatação da Amazónia. Prevê-se, por exemplo, o efeito da recusa de certas famílias em vacinarem os filhos a nível da saúde global, mas não se discute ou analisa a repercussão que as opções alimentares têm para a “saúde” do planeta. Mais carne na dieta alimentar implica necessidade de maior área produtiva e mais desflorestação; mais barragens hidroeléctricas promove energia renovável, facilita a agricultura de regadio, mas altera o regime de sedimentação dos rios com consequências para a funcionalidade dos estuários e vulnerabilidade da linha de costa.
A primeira tentativa de integração dos riscos globais dos diferentes sectores surgiu há cinco anos, quando Johan Rockström e colaboradores definiram barreiras planetárias e respectivas zonas de segurança para a humanidade. Já nessa altura tinham sido ultrapassadas três barreiras: alterações climáticas, ciclo do azoto e perda de diversidade. Actualmente, a alteração da paisagem é outra das barreiras ultrapassadas. O sistema climático está directamente relacionado com a quantidade, distribuição e balanço da energia no planeta; a biodiversidade permite aumentar a resiliência às alterações abruptas ou graduais; o ciclo biogeoquímico do azoto ligado aos fluxos crosta-biosfera-atmosfera, com consequente influência nos dois sistemas anteriores, está directamente relacionado com a necessidade de fornecer alimento à população mundial; a alteração da paisagem tem vindo a ser progressiva pelas mudanças sociais em países como a China e o Brasil.
Houve avanços que tornaram possível a expansão e desenvolvimento da agricultura, como seja o advento da indústria de fertilizantes de azoto que permitiu o aumento da produção e o consequente incremento populacional. Mas os riscos continuados da revolução verde devem ser equacionados e geridos a nível dos utilizadores. O interesse ou alienação do consumidor está directamente ligado ao preço do produto, cujo fornecimento está ameaçado pelo elevado custo de produção, desperdício, má distribuição. Para os agricultores, o interesse imediato reside na maximização da produção, diminuição de pragas, ou nas flutuações dos preços dos produtos, que o leva a decidir quando, onde e como produzir. As repercussões sociais e ecológicas dos interesses dos agricultores e consumidores, como partes da cadeia de produção, nunca são integradas e deles depende a regulação dos preços da energia, as alterações da paisagem, a regulação dos serviços do ecossistema. É tempo de avaliar e contabilizar os efeitos que as opções locais têm no ecossistema global, para evitar que a história de Pedro e o Lobo se verifique. Vem isto a propósito da reunião internacional que irá ter lugar na próxima semana no Ministério do Ambiente, onde se irão debater os benefícios do desenvolvimento de um sistema de gestão multidimensional dos fluxos de azoto. Sendo uma iniciativa científica, vai procurar mostrar como o conhecimento coordenado e multidimensional pode, e deve, suportar decisões políticas mais adequadas. Esperemos que esta não seja uma oportunidade perdida.
Professora catedrática Universidade de Lisboa