Marine Le Pen condenada a “matar o pai”
A “execução política” de Jean-Marie Le Pen será um episódio de grande violência.
"Nunca somos traídos senão pelos nossos", lamenta. "Marine Le Pen deseja a minha morte". Mas "o cadáver ainda mexe", previne. "Não se sai do ringue senão em sangue, seja-se vencedor ou vencido." E promete "a morte da FN" se for expulso.
Marine agiu depressa. Vetou a candidatura do pai às eleições regionais de Dezembro e acusou-o de se lançar "numa espiral entre a estratégia da terra queimada e o suicídio político. A FN não pode ficar refém das suas grosseiras provocações." Quer impor-lhe sanções disciplinares. Seria uma banal luta pelo poder se não fosse um "combate mortal" entre pai e filha. Mas o folhetim poderá mudar o tabuleiro político francês.
A entrevista ao Rivarol
De repente, a FN volta a ocupar o centro das atenções mediáticas. "Pouco importa que falem bem ou mal de nós, o importante é que falem" — é uma máxima do velho Le Pen. Para Marine, parece a oportunidade dourada de fazer a ruptura final com o pai, distanciar-se da herança da extrema-direita e concluir a "desdiabolização" da FN. Não pode hesitar perante o parricídio. Mas a "execução política" de Jean-Marie Le Pen será inevitavelmente um episódio de grande violência", prevê o historiador Nicolas Lebourg. O primeiro ajuste de contas será feito dentro de dias na comissão executiva do partido.
Os atritos entre pai e filha começaram logo em 2011 quando ela assumiu a liderança da FN e escolheu a linha da "desdiabolização". Ele prosseguiu na linha das provocações. Ela procurou relativizá-las ou desculpá-las. Cedo se percebeu que a ruptura era inelutável. Jean-Marie sempre disse: "Uma FN amável não interessa a ninguém. (...) O eleitor prefere sempre o original à cópia." Não tolera que a "desdiabolização" faça da FN "um partido como os outros".
Foi Jean-Marie quem abriu as hostilidades no dia 2 de Abril. Recorreu a uma provocação que usou pela primeira vez em 1987 e que repete quando quer atrair as atenções: as câmaras de gás "são um detalhe" da II Guerra Mundial. Estas gafes não são espontâneas, são politicamente calculadas. Enfureceu Marine e forçou-a a uma rápida condenação.
Era apenas uma amostra. Deu a seguir uma longa entrevista ao Rivarol, jornal da velha extrema-direita francesa e especialista em anti-semitismo. O seu director, Jerôme Bourbon, escreveu quando Marine foi eleita presidente da FN: "Para mim, Marine Le Pen é um demónio, a inimiga absoluta de todos os pontos de vista, no plano moral, no plano político e no plano intelectual (...) e cujo círculo é composto por arrivistas sem escrúpulos, judeus patenteados e invertidos notórios."
"Não é uma entrevista, é uma declaração de guerra", disse um analista. Nela, Le Pen alinha e radicaliza todas as velhas provocações. Absolve o regime do marechal Pétain; insiste no "detalhe da História"; diz-se cansado das referências de Marine à República; propõe a aliança com a Rússia "para salvar a Europa boreal e o homem branco". Enfim: "Somos governados por imigrantes" como Manuel Valls. "Qual é a sua ligação real à França?" Ataca os colaboradores da filha e o seu suposto "lobby homossexual", visando Florian Philippot, o seu estratego eleitoral. Le Pen quis deliberadamente mostrar, contra a filha, "a dimensão racista e anti-semita da FN", resume o historiador Jean Garrigues.
O ponto fulcral é o anti-semitismo. Le Pen gostava de "enforcar" árabes em público para ganhar votos, mas em privado preferia alvejar os judeus. Marine, ao contrário, quer atrair a comunidade judaica. Com algum sucesso. Roger Cukierman, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (CRIF), desencadeou uma tempestade ao afirmar que, ao contrário do pai, Marine Le Pen é, do ponto de vista do anti-semitismo, uma personalidade "irrepreensível".
Louis Alliot, vice-presidente da FN, respondeu imediatamente. "A entrevista de Jean-Marie Le Pen nesse pasquim anti-semita é perfeitamente escandalosa e as nossas divergências políticas são doravante insanáveis." Alliot é o companheiro de Marine.
Quase todo o aparelho da FN é solidário com Marine, mas Jean-Marie tem uma base de apoio própria. E um trunfo de reserva: a sua neta Marion Maréchal-Le Pen (sobrinha de Marine), deputada da FN. Aos 25 anos, é uma das favoritas dos militantes e muito próxima das posições do avô. Pode vir a ser uma das grandes vedetas nas eleições regionais. De momento ninguém contesta Marine. A prazo, Marion é uma concorrente.
O politólogo Sylvain Crépon vê duas grandes correntes na FN, representadas por Philippot e Marion. "Philippot está numa linha próxima de Marine: um discurso social, soberanista, nem direita nem esquerda." Esta linha domina no Norte e no Nordeste. "Marion tem um discurso mais direitista, mais sensível à questão identitária, à imigração, o que corresponde às expectativas do seu eleitorado no Sudeste."
Efeitos políticos
A curto prazo a "guerra familiar" beneficia a FN, anota Garrigues. "Ao prestarem-se à hiperpersonalização da política, os media trazem a FN para o terreno preferido dos partidos de protesto: entramos no registo da emoção, do fantasma e da simplificação do que está em jogo. Oculta-se o seu programa, a sua capacidade de argumentar e governar, que são o seu verdadeiro calcanhar de Aquiles."
Marine Le Pen resistiu bem às críticas "morais" e "antifascistas". Está hoje em real dificuldade perante a desmontagem do seu programa económico, com delirantes promessas sociais e a proposta da saída do euro.
Que efeitos políticos se admitem? O quadro político francês poderá ser subvertido. Anota Nicolas Lebourg: "O afastamento de Jean-Marie Le Pen é uma condição para a FN concluir a sua transformação num grande partido autoritário e conservador, capaz de se tornar numa alternativa à UMP [de Sarkozy]"; ou de criar uma imagem respeitável que resolva um dos seus grandes problemas, a impossibilidade de fazer alianças e sobreviver à "guilhotina" da segunda volta nas eleições.
É uma faca de dois gumes. Jean-Marie Le Pen representava melhor que ninguém a vertente "anti-sistema", evitando a banalização da FN. No cenário de se transformar num mero partido à direita da UMP, conseguirá a FN manter o seu poder de atracção?
"A FN tem necessidade de radicalidade, mas ao mesmo tempo paga o seu preço. É uma questão de arbitragem entre o custo desta radicalidade e os ganhos da normalização", resume o politólogo Jean-Yves Camus.
"Matar o pai" é irremediável mas não resolve todos os problemas.