No Iémen está a ganhar a Al-Qaeda e quem perde são os iemenitas
Ao 14.º dia da ofensiva liderada pelos sauditas, os Médicos Sem Fronteiras fizeram por fim chegar material médico ao Iémen, onde já morreram quase 600 pessoas, há pelo menos 1700 feridos e 100 mil pessoas fugiram de casa.
Durante a tarde de quarta-feira, os combates entre os huthis e as milícias leais ao Presidente Abd Mansour Hadi concentravam-se no centro da cidade de Áden, a segunda mais importante do país, a seguir à capital Sanaa, e o maior porto. Segundo responsáveis médicos ouvidos pela AFP, pelo menos 22 pessoas morreram e mais de 70 ficaram feridas, a maioria civis, em disparos de canhões de tanques e granadas lançadas pelos rebeldes contra vários bairros residenciais da cidade.
Dos altifalantes das mesquitas de Áden, usados habitualmente para a chamada para as orações e para que os sermões possam ser ouvidos por mais pessoas do que as que cabem no interior do lugar de culto, apelou-se à população para se juntar à jihad contra os atacantes, os huthis. “Deus é grande! Ergam-se para a jihad!.
Mais a ocidente, os aviões da coligação militar árabe que apoiam Hadi, exilado em Riad, atacaram posições controladas pelos xiitas huthis e pelos seus actuais aliados, os militares que se mantêm leais ao ex-Presidente Ali Abdallah Saleh. Nestes ataques, que visaram alvos diante do estreito de Baba al-Mandeb (por onde passa 40% do comércio marítimo mundial e mais de 30% do petróleo transportado por esta via) morreram pelo menos 17 pessoas.
No cronicamente instável Iémen, o mais pobre dos países do Médio Oriente, as condições de vida deterioram-se a cada hora. A campanha militar já desencadeou uma enorme crise humanitária, escreve Hugh Naylor no Washington Post, com os stocks de alimentos e o fornecimento de água nos seus níveis mais baixos, e o pouco que resta do governo “à beira do colapso”.
De Áden chegam relatos de feridos que ficam sem ser tratados, por falta de electricidade, material, medicamentos ou pessoal médico. O carregamento dos Médicos Sem Fronteiras, enviado a partir do Djibuti, foi o primeiro a conseguir aportar na cidade. O Comité Internacional da Cruz Vermelha contava ter conseguido aterrar 16 toneladas de medicamentos e ajuda em Sanaa mas nenhum avião aterrou no aeroporto da cidade. A organização avisa para uma situação “catastrófica” em Áden.
Para avaliar o impacto dos ataques aéreos e da eclosão de ainda mais frentes de combate desde o início dos bombardeamentos é preciso ter em conta que a vida já não era fácil no país mais a Sul da Península Arábica. Muito desemprego, uma distribuição de água que já só chegava habitualmente a 55% da população, zonas isoladas e privadas de serviços básicos, já para não falar da Al-Qaeda e da desestabilização provocada pelos ataques com drones lançados habitualmente pelos Estados Unidos, tudo isto fazia do Iémen um país à beira do colapso ainda antes dos últimos desenvolvimentos. Este país, agora quase isolado, importa 90% das suas necessidades alimentares.
Mais armas e munições
Se a ajuda teima em enfrentar dificuldades para lá chegar, já Washington, que inicialmente disponibilizava apenas troca de informações com os aliados árabes que lançaram a ofensiva contra os huthis, parece ter acelerado o envio de armamento e munições para os países envolvidos.
Numa visita à capital saudita, Riad, o secretário de Estado adjunto norte-americano, Tony Blinken, afirmou que a Arábia Saudita está a enviar “uma forte mensagem aos huthis e aos seus aliados, dizendo-lhes que não podem tomar o Iémen pela força”. “Como parte do seu esforço, acelerámos o envio de armas, aumentámos a partilha de informações dos serviços secretos e estabelecemos uma célula de planeamento conjunto no centro de operações saudita.”
No Pentágono, um porta-voz da Defesa, o coronel Steve Warren, explicou que parte destas armas já estavam encomendadas mas estão a ser enviadas antecipadamente. “É uma combinação de encomendas feitas pelas nações que são nossas parceiras e alguns novos pedidos à medida que eles esgotam as munições”.
Fala-se de munições de precisão, mas a verdade é que as maiores vítimas dos bombardeamentos árabes têm sido civis – já foi atingido um campo de deslocados, uma cimenteira, uma fábrica de leite. Hospitais e escolas foram atingidos e pelo menos um milhão de crianças deixou de ir à escola, nas contas da UNICEF. As lideranças árabes culpam os huthis de agirem em zonas de muita concentração de população.
Como se previa, quem está a aproveitar todo este caos é a perigosa Al-Qaeda na Península Árabica, que já antes tinha uma significativa presença no país. “Vemos como eles beneficiam directamente no terreno à medida que tentam conquistar território nestas linhas de batalha… estamos a observar isso”, disse de visita ao Japão o secretário da Defesa dos EUA, Ashton Carter.
Na terça-feira, o grupo capturou um posto fronteiriço junto à Arábia Saudita, menos de uma semana depois de terem capturado uma importante cidade portuária, Mukalla, a quinta maior cidade do país, na parte do Golfo de Áden mais perto do Mar Arábico. Uma aliança de combatentes tribais entrou dois dias depois na cidade para expulsar a Al-Qaeda, mas os residentes dizem que os membros do grupo jihadista se mantêm em controlo de perto de metade de Mukalla.
Do Afeganistão para o Iémen
Um dia depois das monarquias do Golfo terem apresentado ao Conselho de Segurança da ONU uma proposta de resolução para impor sanções ao filho do antigo Presidente Saleh, Ahmed Ali Abdallah Saleh, e ao chefe dos rebeldes, Abdel Malek al-Huthi, esta quarta-feira foi a vez de a Al-Qaeda oferecer “20 quilos de ouro a quem quer que capture ou mate o próprio Saleh e Malek al-Huthi.
Esta oferta destina-se a “recompensar os corajosos mujahedin [combatentes] na sua luta contra a expansão xiita iraniana no Iémen através das milícias do ex-Presidente e dos seus acólitos do grupo huthi”, explica-se numa mensagem publicada online e assinada pela Al-Qaeda na Península Arábica.
As ofertas não se ficam por aqui. Os islamistas armados do Hezb-e-Islami, do poderoso e temido Gulbuddin Hekmatyar, um dos veteranos da luta afegã contra os soviéticos, anunciaram estar disponíveis para enviar “milhares de combatentes” do Afeganistão e do Paquistão para o Iémen e assim apoiar a coligação saudita.