Base de dados de perfis de ADN só conseguiu 5393 amostras em cinco anos
Especialistas defendem que é preciso rever a legislação e facilitar os procedimentos ou a lista vai continuar a ser ineficaz.
O exemplo do potencial destas ferramentas foi dado nesta sexta-feira pelo director do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária. Carlos Farinha defendeu que, em Portugal, era pouco provável ter havido esta correspondência, já que ao fim de cinco anos de implementação da base de dados o resultado continua a ser “insatisfatório”. No total, há apenas 5393 amostras de perfis, quando o plano inicial era de conseguir inserir uma média de 6000 ao ano – pelo que o país contaria agora com perto de 30 mil perfis. Para os especialistas, chegou a altura de rever o enquadramento legislativo e de melhorar os procedimentos.
Os dados foram avançados durante o colóquio Bases de Dados de Perfis de ADN e a investigação criminal – balanço e perspectivas, que foi promovido pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e o Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN na Assembleia da República, em Lisboa. A lei sobre esta base de dados foi aprovada em 2008, mas apenas em Fevereiro de 2010 começam a ser inseridos os primeiros dados. O resultado está muito aquém do previsto e do possível, reconheceu o responsável do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) pela base de dados, que é tutelada pelo Ministério da Justiça. Aliás, os problemas levaram mesmo a uma suspensão do processo por alguns meses em meados de 2013.
Francisco Corte-Real adiantou que até Fevereiro deste ano o sistema contava com apenas 5393 amostras e só quatro tinham sido fornecidas por voluntários, alertando que os peritos do Laboratório de Polícia Científica criminal recolhem muitas amostras que não são incluídas pelo INMLCF por dificuldades burocráticas na acção conjunta com os magistrados, já que são necessários dois despachos: um para recolha e outro para inserção dos dados. Na esmagadora maioria dos casos os perfis são de criminosos sempre condenados a mais de três anos de pena de prisão.
Ao longo destes cinco anos foi possível estabelecer um total de 172 concordâncias, isto é, resultados positivos que ajudaram a identificar suspeitos de crimes. Em 37 das situações houve correspondência entre as chamadas amostras-problema, recolhidas no âmbito da investigação criminal, e os condenados – mas como alertou Carlos Farinha, em muitos casos a correspondência pode ter sido feita apenas depois da condenação, pelo que na prática foram outras provas que levaram ao desfecho. Entre as restantes amostras há, por exemplo, casos de familiares de pessoas desaparecidas ou profissionais que por razões laborais integram o sistema.
Mas para se ter uma noção de grandeza, o responsável do INMLCF explicou que a base alemã conta com mais de 820 mil pessoas e que França tem dois milhões de pessoas, o que representa um número recorde. De fora ficam os arguidos, o que compromete a robustez da base, alertaram Corte-Real e Carlos Farinha. Essa é uma das mudanças que consideram necessária, ainda que admitam que arguidos e condenados devam estar em listas distintas até haver condenação e que devem continuam a existir prazos para as informações deixarem de constar no sistema, tal como acontece com o cadastro. Só que para isso seria necessário melhorar as ferramentas de comunicação e automatizar processos.
“A impressão digital genética é a impressão digital dos tempos modernos”, definiu, por seu lado, o deputado social-democrata Fernando Negrão, que preside à comissão parlamentar, lamentado que a “imperfeição no processo legislativo” tenha ditado parte do insucesso que a base de dados está a ter – e que em certa medida é justificado por dificuldades financeiras dos tribunais em solicitaram a recolha de amostras, já que o processo pode custar de 200 a 700 euros. O parlamentar defendeu que é preciso melhorar as condições no terreno para que esta “verdadeira promessa passe a ter verdadeira relevância na identificação civil e investigação criminal”.
“Uma base de dados só pode facultar informação se a tiver”, corroborou Artur Pereira, ex-director nacional adjunto da Polícia Judiciária, que lamentou a desconfiança à volta das amostras inseridas na base de dados. O especialista lembrou que estas bases não servem só para acusar criminosos e que têm também a importante “capacidade de inocentar”, recordando um caso na década de 1980 nos Estados Unidos em que um inocente se declarou culpado e que foi com este tipo de provas que se apurou a verdade. Artur Pereira recordou também que 90% das condenações erradas tiveram como base prova testemunhal e não documental.
Sobre a amostra, Artur Pereira recordou que está bem definido legalmente o que pode ser estudado e que isso faz uma separação entre o AND “codificante” e “não codificante”. Artur Pereira explica que só este último pode ser estudado em Portugal e que em termos de características só permite perceber o sexo, servindo a amostra para encontrar apenas a correspondência. Outros países permitem recolha de dados como a provável cor da pele ou dos olhos e os investigadores entendem que isso poderia ser útil já que não passam de “características físicas externas que seriam visíveis”.
Quanto a eventuais usos negativos, Carlos Farinha contrapôs que esses dados permitiram resolver um caso de violação na Holanda afastando as suspeitas de um centro de refugiados, com a amostra a remeter para um caucasiano do norte da Europa. Mas para Carlos Farinha os potenciais vão ainda mais longe do que os crimes contra a vida ou contra a sexualidade, lembrando que há cenários por explorar nos crimes económicos “em que o manuseamento de folhas” pode permitir a recolha de amostras e a chegada a um culpado.