1440 minutos de um dia normal

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À boleia do tema dos 25 anos do PÚBLICO, o Tempo, olhámos para o país de modo diferente, registando em vídeo algo que se aproximasse de um dia normal. Um mosaico de 24 horas com 1440 vídeos de um minuto, de onde escolhemos agora 24 histórias.

00h07

 

 

 

 

 


É o rosto da nova geração do cante alentejano. Aos 20 anos, Bernardo Espinho – Buba, como todos o conhecem - desdobra-se em actuações com o seu grupo, os Bubedanas, e participações em concertos de outros. Cruzamo-nos com ele em dois momentos: em Lisboa, ao lado de António Zambujo nos bastidores do Coliseu dos Recreios; e em Beja, a cantar (e a beber aguardente de medronho) com Jorge Benvinda (Virgem Suta). Em ambos, a prova de que o cante está vivo.

00h39

Filipe Oliveira jantava com uns amigos quando recebeu o aviso: “O bezerro está a nascer”. Mas quando chegou ao local, já tinha nascido. “A natureza foi perfeita ali. Na maior parte das vezes é preciso um bocado de ginástica para posicionar a cria”, adianta o veterinário. À sua frente tinha mais um exemplar da raça Barrosã,  “uma das mais típicas e das mais bonitas do mundo”, que não perdeu de vista. Já tem um mês e, garante Filipe, “está bastante bonito”. 

00h57

O cenário atira-nos para as escarpas geladas dos Alpes, a música é temperada com doses impulsivas de saxofone, tambores e pratos devidamente acompanhados por barulhos electrónicos num frenesi de improvisação. Certo é que estamos no Grupo Excursionista e Recreativo Os Amigos do Minho, em Lisboa, num concerto dos Noisy Crocodiles, do qual Monsieur Trinité, alter ego de Francisco Trindade, faz parte. Pioneiro da improvisação musical, Leonel Moura, seu amigo, descreve-o assim: “Anarquista, dos poucos a sério”, que “nunca trabalhou, vive bem com pouco dinheiro, é feliz.” 

03h01

Se há seres que se alimentam da noite Manuel João Vieira (alma dos Ena Pá 2000) é um deles. Fomos a sua casa, em Lisboa, para testemunhar a sua rotina noctívaga, os seus momentos criativos depois de o Sol se esconder. As suas artes são variadas. Ao lado de um roupeiro, encontramos Cavacotron, uma escultura de metal a fazer lembrar os retratos à la silhouette, técnica prima da fotografia, muito em voga no século XVIII. A cada pancada, o perfil gira sobre si e projecta na parede um rosto. De quem será? 

03h19

A “rua cor-de-rosa” (Rua dos Remolares) no Cais do Sodré inaugurada com pompa em 2011 já tem pouco de cor-de-rosa. E não é apenas falta de tinta a cobrir o chão. Aquele que se tornou num dos principais espaços de diversão nocturna lisboeta tem somado polémicas que vão desde a tentativa falhada de reconverter um bairro histórico ao aumento da criminalidade global (mais 49%). Neste minuto, dois seguranças privados espancam um homem bêbado na rua enquanto outros três controlam a situação

04h00

Não há muitos fotógrafos em Portugal que tenham uma ligação com um espaço como Luísa Ferreira tem com a discoteca Lux (Lisboa). Regista-a desde que foi inaugurada (1998) por vontade de Manuel Reis, um dos seus proprietários, que viu na fotografia um aliado para contrariar a efemeridade dos acontecimentos que lá se sucedem. Quando desafiamos Luísa para este trabalho, o seu registo mudou para o vídeo e o Lux surgiu como lugar óbvio para mostrar vida nocturna urbana. 

05h49

Ainda os primeiros barcos, autocarros e metros se preparam para começar o dia, e o Quiosque Dá Cá Cilhas, em Cacilhas, Almada, já serve cafés e “bons dias”. Aberto há quase um ano, inspira-se na tradição local: as bicicletas para alugar chamam-se ‘burras’ e o nome do quiosque é uma referência a um trocadilho que surgiu quando os lisboetas chegavam a Cacilhas e pediam a cilha - uma cinta de prender à albarda do burro - e passeavam por Almada. 

08h11

Apesar de um passado familiar ligado à produção de vinhos do Porto e Douro, Domingos Alves de Sousa apenas cedeu ao apelo desta herança no final dos anos 1980. Desde aí os seus vinhos já lhe valeram muitos prémios e um reconhecimento assinalável. A inauguração da nova adega na Quinta da Gaivosa, em Santa Marta de Penaguião, é mais um passo neste percurso. O espaço, que terá um papel importante no desenvolvimento dos novos Portos da casa, contou com projecto do arquitecto transmontano António Belém Lima e foi nomeado para a edição 2015 do prestigiado Prémio Mies Van Der Rohe.

08h16

As curvas são apertadas, os vales da Serra D’Arga metem medo e a chuva não ajuda. Mas mesmo em dias difíceis de Inverno, Maria do Céu, 36 anos, conduz a carrinha de transporte escolar com destreza. A auxiliar de acção educativa (que além de motorista é também cozinheira na escola) sempre viveu em Arga de São João. Este ano, só transporta uma criança. Para o ano, a filha entrará no jardim-escola. “Já é mais uma”, diz-nos. “Para ver se isto não acaba”. 

10h57

Na Molde, umas das principais fábricas de cerâmica das Caldas da Rainha, não há tempo para modelos fabris do passado. O que está a acontecer neste minuto pode não acontecer no próximo, diz o administrador Joaquim Beato. Dez dias depois de o PÚBLICO ter passado pela Molde, um incêndio destruiu parte da fábrica. Em poucos dias, com a ajuda dos trabalhadores, a fábrica estava limpa e parcialmente de regresso ao activo. Até porque as encomendas (em grande maioria exportações) continuam a aparecer. 

11h09

Patrícia, a mãe, costumava dizer a brincar que só teriam dois filhos se fossem gémeos. Acabou por não ser um susto. Gaspar e Dora nasceram a 26 de Fevereiro, dez dias depois da ecografia que o PÚBLICO registou. Ele com 2 quilos e a “cara chapada do pai”, ela com 2,14 quilos e o nariz arrebitado que a ecografia já antevia. Continuam no Serviço de Neonatologia do Hospital de Gaia, porque nasceram prematuros, mas em breve estarão a caminho da casa dos pais, que têm passado as últimas semanas de plantão no hospital.

12h09

Durante anos, a Praia de Moledo, em Caminha, recebeu veraneantes atraídos pelas qualidades terapêuticas do iodo. Hoje, os ventos trazem muitos praticantes de desportos náuticos. Filipa e Manuel Fernandes viram aí uma oportunidade: abrir um bar e loja, virado para o mar, que sirva os amantes do surf e do kitesurf. O “Paredão 476” abre em Abril com vista para a praia que era conhecida como a praia da “Bola Nivea”. 

13h37

Na casa de Telma Morna não há superfícies intocáveis e um frigorífico pode transformar-se numa lista de compras. Leite e papel higiénico ficam lado a lado com ideias e desenhos na tela branca do electrodoméstico. Assim que comprou uma caneta branca, Telma aumentou a superfície para os vidros da sua casa e os amigos são incentivados a desenhar ou escrever aquilo que quiserem. O próximo objectivo? Transformar o frigorífico no tabuleiro de um jogo de xadrez. 

13h45

Andam pelas ruas do centro histórico da capital, mesmo nas de acesso condicionado. Transportam turistas e alardeiam a sua presença com estrépito e fumarada. Carregam um dos novos mistérios lisboetas: afinal, quantos tuk-tuk se passeiam pela capital? Aparentemente a resposta exacta é impossível. Sabe-se no entanto que existe uma guerra (cada vez menos fria) com os moradores da zona histórica e o assunto já chegou à Câmara Municipal, que acedeu a regulamentar os circuitos, as paragens e os horários destas viaturas turísticas. 

15h01

Foi anunciado como projecto pioneiro. Serviria para mostrar as possibilidades da energia das ondas no contexto de uma pequena ilha, com uma tecnologia inovadora. Mas o tempo não foi gentil com a Central de Energia das Ondas, no Pico. Os problemas do projecto revelaram-se desde cedo e os custos de reparação e manutenção mantêm-se elevados e constantes. Quinze anos depois, a um ritmo mais lento do que o das vagas, o centro continua em funcionamento, embora com uma produção mensal de energia residual. 

15h27

Há um arquitecto no Faial que há 15 anos trocou o Porto por esta ilha dos Açores. Tem como toque pessoal nos seus projectos a utilização da madeira, nomeadamente a Criptoméria, uma das mais abundantes no arquipélago. Da sua cabeça já saíram casas, abrigos, lojas, restaurantes e até mesmo um supermercado, e para cada projecto gosta de imaginar uma história. Este arquitecto metódico e perfeccionista chama-se Albino e, coincidência ou não, veste-se sempre de branco – à excepção de alguns dos seus casacos. 

15h58

No espaço da antiga cadeia das Mónicas, na colina do Castelo de São Jorge, em Lisboa, o Chapitô já fez história. O ambiente, já se sabe, é informal. E tudo pode acontecer, a qualquer instante: um concerto improvisado, uma aula onde braços e pernas rodam para sítios inimagináveis. O mais importante, porém, leva mais minutos a perceber: muitos são jovens vindos de centros educativos que escolheram o Chapitô para dar rumo à vida. 

16h29

Maria Bárbara Ludovina, 84 anos, e Filomena Graça, 74, estão sentadas ao sol num banco em Castro Verde. Falam dos complexos esquemas das rendas (“empanos, aranhas”), listados na revista Arte em Lavores. “Veja lá se gosta”, atira Filomena. As duas amigas já são antigas, contam, do tempo em que a liberdade não o era, e ir a um baile só acompanhadas pela mãe ou um irmão. “Agora até bebem cervejas com eles!”

16h40

A viagem no Teleférico das Achadas da Cruz, na Madeira, é a pique. O vento acompanha, a escarpa ampara e lá em baixo o mar está à espera. O mar e Massimo Pronesti, que tomava banho num duche feito com uma cana e meia mangueira. Um italiano-viajante, acampado há quase um mês na Fajã da Quebrada Nova, apaixonado pela ilha. Não ficámos para grelhar peixe ao luar: para sair dali fora do horário do teleférico só subindo uma escadaria durante 40 minutos.

19h36

Até aos 6 meses, não houve nenhum sinal de alerta. Depois vieram as convulsões e logo de seguida o diagnóstico: Leandro Ferreira tinha paralisia cerebral. A partir daí, Fernanda passou a viver (ainda mais) em função do filho: “Primeiro ele, depois o resto”, diz ao PÚBLICO. Aos 31 anos, Leandro não anda, não fala, não come pela própria mão, não toma banho sozinho. Mas tem sentido de humor, joga ao computador e é um “miúdo feliz”. 

20h06

Durante a Quaresma, a oração da Via Sacra transforma-se numa rotina junto da comunidade católica e a Igreja de Paradinha de Outeiro não foge à regra. Nesta envelhecida aldeia transmontana, a 23 quilómetros de Bragança, onde a Igreja e as duas capelas disputam as atenções com o único café da aldeia, os cerca de 50 habitantes têm de aguardar diariamente pelo buzinar das carrinhas de venda de pão, peixe, e carne.

20h49

A cada vitória de Ana Cabecinha – e não têm sido poucas – ouve-se este nome: Clube Oriental de Pechão. A atleta não estava no clube algarvio quando o PÚBLICO o visitou – preparava-se para o Grande Prémio de Marcha, no México, que terminou em 3.º lugar – mas Paulo Murta, sim. O antigo atleta de marcha treina Cabecinha desde os 11 anos e, num registo incansável, prepara também estes jovens que sonham com marchas igualmente altas - sempre no inconfundível equipamento vermelho escuro pechanense. 

21h19

Todos os leitores fiéis têm um local preferido para ler. Nina Vigon Manso é, simultaneamente, regra e excepção. No final de 2014 esta cronista, cientista social, entertainer e chef comprou uma banheira de ferro antiga e pô-la no meio da sala de sua casa, em Alfama. Simplesmente para prazer, leitura e música. “Tenho uma relação visceral com os livros e levá-los para a banheira equivale a deitar-me com eles”. Fernando Pessoa é um dos autores com acesso privilegiado à sua banheira, “um lugar sagrado”. 

23h02

O que é que um acidente pode explicar? Sandro Borges, natural da Cova da Moura a viver no Porto há 16 anos, perdeu uma perna em 2005 após um acidente. Era jogador de futebol e preparava-se para ser pai. O filho, a partir da barriga da mãe, estimulou a sua recuperação. Tal como o desporto. Experimentou vários até acertar. Numa altura em que precisava de se adaptar à prótese, a precisão do exercício de pernas no boxe cativou-o. A partir daí, acumulou cursos  e agora dá aulas no BB Team Clube Fluvial Portuense. Aos 30 anos, Sandro é muito mais do que um acidente de carro. 
 

 
 


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