Estrada para a paz na Colômbia passa pelos campos minados
Governo e FARC concordaram em dar início à localização e desactivação das minas em todo o território. Mais de 11 mil pessoas afectadas nos últimos 25 anos.
A notícia foi bem recebida por um país que é o terceiro que regista mais vítimas de minas antipessoais a nível mundial – mais de 11 mil pessoas em 25 anos, das quais 2 mil acabaram por morrer, segundo dados do Governo. E as crianças são vítimas especialmente afectadas, perfazendo cerca de metade dos mortos – o segundo número mais elevado em todo o mundo, apenas atrás do Afeganistão.
A acção de guerrilha das FARC durante os anos de conflito passava frequentemente por este tipo de armadilha, cujos efeitos trágicos se prolongam além de qualquer cessar-fogo. Desde o início do ano já morreram duas pessoas, incluindo um jovem de 14 anos numa quinta em Bolívar, no Norte do país.
O chefe da equipa negocial do Governo, Humberto de la Calle, descreveu o acordo como “um passo de gigante no caminho da paz” e quis sublinhar a importância que este novo desenvolvimento terá para as pessoas comuns. De la Calle deu o exemplo das crianças que “correm o perigo de morrer ou de ficar feridos pela explosão de uma mina quando caminham para a escola”. O representante da milícia marxista, Iván Márquez, alinhou pela mesma ideia quando falou nos benefícios para “as pessoas humildes que trabalham a terra”.
O acordo para a desminagem representa o primeiro avanço com “significado real” para o quotidiano dos colombianos, lembrou o coordenador nacional da Campanha Colombiana contra Minas. “Um acordo sobre as minas incide concretamente sobre a salvação de vidas e, portanto, permite mostrar que a paz tem significados concretos para as pessoas mais afectadas”, disse ao El País Álvaro Jiménez.
Mas uma Colômbia sem minas não será uma realidade rápida de atingir. O Presidente, Juan Manuel Santos, apontou o ano de 2025 como aquele em que esse objectivo poderia ser real e que a paz irá trazer uma mudança de “180 graus” ao país, depois de um conflito que dura há mais de cinco décadas e em que morreram cerca de 220 mil pessoas. “O que acontece é que nos habituámos a viver em guerra e não nos imaginamos num país em paz. Por isso é tão importante começar a visualizar como seria esse país pacificado”, disse Santos esta segunda-feira num programa televisivo.
O processo de desminagem vem implicar a entrada num novo capítulo nas negociações de paz. Desde logo porque há a necessidade de um trabalho de terreno conjunto entre os elementos das FARC – com conhecimento da localização das minas – e do Exército colombiano. Os dois lados vão estar lado a lado num procedimento liderado pela Ajuda Popular Norueguesa, uma organização não-governamental com experiência neste tipo de cenários.
Este desenvolvimento dá-se uma semana depois do anúncio da entrada de um grupo de generais colombianos nas negociações, algo visto igualmente como um marco no processo de paz. São cinco generais que se vão sentar na mesma mesa de dirigentes rebeldes contra os quais lutaram. “Serão os homens que viveram a guerra que vão ajudar a construir o caminho para a paz”, defendeu De la Calle.
Os generais vão reunir-se numa subcomissão técnica para discutir os trâmites do desarmamento e do cessar-fogo bilateral que decorre em simultâneo mas de forma separada da principal mesa de negociação. O processo de paz está organizado em várias etapas temáticas que, no seu conjunto e assim que estiverem ultrapassadas, deverão criar as condições para que seja implementado um acordo final.
Nos últimos dois anos, as conversações de Havana já conseguiram acordos em áreas como a reforma agrária, a participação política do grupo rebelde e o combate ao tráfico de drogas. O capítulo referente ao desarmamento e ao cessar-fogo bilateral foi desde sempre considerado o mais complexo e aquele que iria determinar o sucesso de todo o processo.
Nem só de avanços se têm feito, porém, as conversações. Em Novembro, o rapto de um general colombiano levou o Presidente a suspender as negociações, que só foram retomadas algumas semanas depois.
A nível interno, Santos depara-se com a oposição dos sectores que condenam a via negocial e preferem uma mão mais pesada sobre os rebeldes. O ex-Presidente, Álvaro Uribe, criticou recentemente o envio dos generais para as conversações, considerando que se estava a colocar o Exército e os rebeldes ao mesmo nível. “Agora, obrigam-nos não a cumprir a sua tarefa de dar segurança aos cidadãos, mas sim a ser interlocutores do terrorismo”, afirmou Uribe ao El Mundo.
Há, contudo, um consenso forte na sociedade colombiana quanto ao rumo que o processo tem seguido, que se manifestou na reeleição de Santos em Junho. Um novo campo de batalha nas negociações será a prisão de elementos das FARC. O grupo rebelde já garantiu que “não é possível um acordo que contemple um dia que seja de prisão para algum guerrilheiro pelo facto de ter exercido o seu direito à rebelião”.