Maduro anuncia apropriação da maior rede de farmácias da Venezuela
O Presidente disse que o Governo foi forçado a intervir sobre a cadeia Farmatodo, acusada de sabotagem. Administradores da empresa foram detidos pelos serviços secretos.
Maduro não referiu o nome da Farmatodo quando anunciou a “intervenção do Governo” sobre as farmácias durante um comício no estado de Miranda, no domingo à noite. Segundo justificou, a medida tornou-se necessária por causa de uma suposta sabotagem dos proprietários dessa rede com 164 estabelecimentos, que passaria a partir daí a integrar o “plano estatal de distribuição de produtos” – um eufemismo para a expropriação da Farmatodo pelo Governo, segundo a imprensa internacional.
“Eles têm todos os produtos, mas fazem sabotagem: em dez caixas, põem três a trabalhar e as restantes a descarregar camiões”, censurou Maduro, que atribuiu as filas formadas à porta das farmácias às “tácticas guerrilheiras” dos administradores da Farmatodo e não à escassez de medicamentos. “Mas esses conspirativos donos das farmácias já foram presos pelo Sebin, e já pedi à procuradoria para acelerar todos os trâmites para que fiquem bem presos e parem de sabotar o povo venezuelano”, informou o Presidente.
Na manhã seguinte, a superintendência de preços justos, uma agência estatal de concorrência, deu conta da abertura de um procedimento administrativo contra a Farmatodo, na sequência de uma inspecção realizada pessoalmente pelo chefe do departamento que investiga a guerra económica (que é o antigo ministro da Informação Ernesto Villegas). No seu relatório, concluía que a rede de farmácias estava a agir “de forma deliberada” para manter filas de clientes no exterior dos seus estabelecimentos.
Num comunicado, a empresa esclareceu que os seus dirigentes não foram detidos mas antes “convidados a prestar declarações” pelo Sebin. “Estamos permanentemente à disposição das autoridades para que fiscalizem as nossas operações, como aliás têm feito com as mais de 60 inspecções que foram realizadas satisfatoriamente durante o mês de Janeiro”, acrescentava a companhia, sublinhando que “a conduta da Farmatodo é transparente”.
No entanto, a agência Bloomberg e vários outros media internacionais citaram fontes da empresa que, sob anonimato, esclareceram que o presidente do conselho de administração, Pedro Luis Angarita, e outros dois dirigentes da Farmatodo, permaneciam detidos e sem acesso a um advogado.
A rede Farmatodo, fundada em 1990, tem um modelo de negócio semelhante ao das cadeias norte-americanas de farmácias: além de dispensar medicamentos mediante receita médica, também vende medicamentes de consumo aberto, além de outros produtos de drogaria e higiene pessoal e comida processada. “Um exemplo do sucesso do sector privado”, descreveu o rival presidencial de Maduro e líder da oposição, Henrique Capriles, que numa mensagem no Twitter disse que as consequências da medida do Governo ultrapassam a esfera das farmácias. “Estamos a falar em acabar com o pouco que resta.”
Também a mulher de Leopoldo Lopez, um outro político de oposição que está detido há mais de um ano, se referiu à tomada de controlo da rede de farmácias pelo Governo. “Estamos com a Farmatodo, os seus trabalhadores e familiares, que sofreram um ataque directo de um Governo que pouco se importa com a população”, considerou Lilian Tintori.
Supermercados também
Na segunda-feira à noite, o Presidente venezuelano foi à televisão dizer que também tinha dado ordem para a detenção dos administradores da rede de supermercados Dia a Dia, e que o Exército iria “temporariamente” ocupar os seus 36 estabelecimentos em Caracas para garantir o acesso do público ao seu stock de açúcar.
“Maduro, no seu desespero, cometeu uma grave e inconstitucional violação à propriedade privada”, reagiu a deputada de oposição María Corina Machado, acrescentando que em vez de resolver o problema da escassez, as iniciativas do Presidente só “aumentam o risco de uma crise humanitária”.
Segundo explica a BBC Mundo, na Venezuela, as filas à porta das lojas são sinal de abastecimento. “Se há fila, é porque há produtos. Quando não há produtos, não há fila”, referiu Judith Volcán, uma habitante de Caracas que como o resto dos venezuelanos se tornou especialista na arte de esperar na fila dos supermercados pela oportunidade de se abastecer. Na sua opinião, o facto de esta semana ter deixado de haver filas nos estabelecimentos da Farmatodo na capital não tem nada que ver com a intervenção governamental, que decretou que todas as caixas estivessem a funcionar ao mesmo tempo. “É porque não há nada”, garantiu Volcán, de 68 anos.
A Venezuela, que importa cerca de 70% dos alimentos que consome, atravessa uma dramática crise de abastecimento e escassez de bens de primeira necessidade, de produtos alimentares a medicamentos, papel higiénico e fraldas descartáveis, que se aprofundou ainda mais com a quebra do preço do petróleo no mercado internacional – com a diminuição das receitas provenientes das exportações de crude, a base da economia venezuelana, o défice da balança comercial tornou-se ingerível. As previsões do Fundo Monetário Internacional apontam para uma contracção de 7% na economia venezuelana em 2015.
O Presidente Nicolás Maduro responsabiliza o sector privado e os governos estrangeiros pela situação, que denunciou como um “golpe económico” cujo objectivo é derrubar o seu Governo e pôr em causa o regime socialista bolivariano. Para estancar a crise, têm sido tomadas medidas extraordinárias, que vão desde a regulação dos preços ao racionamento de determinados produtos, passando pela nacionalização e pela supervisão militar das entradas e saídas nas lojas e do cumprimento dos preços fixados pelo Governo.