Europa em modo de contra-ataque porque "o medo deve mudar de lado"
Dezenas de pessoas detidas na Bélgica, em França e na Alemanha por suspeitas de ligação a células jihadistas. Autoridades dizem que estava em marcha um plano para matar polícias.
A declaração de Charles Michel, citada pelo seu porta-voz, não especifica que lado é esse, e onde se demarca a fronteira entre "nós" e "eles", mas o resultado da operação das forças especiais belgas esclareceu quaisquer dúvidas: 15 detidos, dois mortos, todos suspeitos de pertencerem a um grupo jihadista que planeava matar polícias um pouco por toda a Bélgica. Cinco dos detidos foram acusados formalmente de "participação num grupo terrorista" e dois foram libertados com uma medida de coacção não especificada.
"Esta operação teve como objectivo desmantelar uma célula terrorista e também a rede logística que a suportava", disse o procurador Eric van der Sijpt em conferência de imprensa. "A nossa investigação já mostrou que estas pessoas tinham a intenção de matar vários agentes da polícia nas ruas e em esquadras."
Dos 15 suspeitos, dois foram detidos em França, embora as autoridades belgas não tenham ainda encontrado qualquer ligação directa entre esta célula e os responsáveis pelo massacre no jornal francês Charlie Hebdo e numa mercearia kosher em Paris.
A polícia belga encontrou mais dificuldades na cidade de Verviers, perto da fronteira com a Alemanha – dois suspeitos de pertencerem à célula terrorista foram mortos numa troca de tiros. Durante as buscas na residência foram encontradas munições e armas, entre as quais quatro metralhadoras Kalashnikov; explosivos; uniformes da polícia; equipamentos de comunicação, como telemóveis e walkie-talkies; documentos falsos; e "uma quantia substancial em dinheiro", disse o procurador Eric van der Sijpt.
Em Verviers foi também detido um terceiro suspeito de pertencer à célula jihadista – todos eles, o detido e os dois suspeitos que foram mortos pela polícia, eram cidadãos belgas que tinham regressado recentemente ao país de uma viagem à Síria, onde estiveram em contacto com o Estado Islâmico, segundo o procurador belga Thierry Werts.
O medo tomou conta da sociedade belga, e reflectiu-se no encerramento de escolas judaicas em Bruxelas e Antuérpia. Outros cidadãos decidiram não levar os seus filhos à escola nesta sexta-feira, ainda que as autoridades não tenham lançado qualquer alerta nesse sentido.
Numa medida apresentada como "temporária", o Governo belga chamou o Exército para reforçar a segurança no país. O ministro da Defesa, Steven Vandeput, disse que as forças estão preparadas para entrar em acção a qualquer momento e que o seu trabalho "durará o tempo que o Governo julgar necessário".
Para além do recurso aos militares, o Governo belga decidiu também apressar a abertura de celas especiais em duas prisões, para "isolar detidos radicalizados" e para impedir que "influenciem outros prisioneiros".
Atentados em quatro países
Oficialmente não são conhecidos mais pormenores sobre a extensão da rede que a polícia belga diz ter desmantelado, mas a estação norte-americana CNN avança que os serviços secretos de vários países da União Europeia detectaram pelo menos 20 células terroristas, com 120 a 180 pessoas preparadas para cometerem atentados em França, na Alemanha, na Bélgica e na Holanda.
De acordo com as informações avançadas pelos jornais belgas, os três suspeitos que viviam em Verviers estavam a ser vigiados há várias semanas, mas a operação de quinta-feira foi precipitada pelos atentados em França – as autoridades belgas conseguiram unir os pontos após a detenção do homem suspeito de ter vendido armas a Amedy Coulibaly, o jihadista que jurou fidelidade ao Estado Islâmico e que matou uma agente da polícia e quatro reféns em Paris, na semana passada.
O sentimento de insegurança alastrou-se a outros países, principalmente Alemanha e Espanha.
A estação francesa M6 revelou que Coulibaly viajou de carro para Madrid no dia 2 de Janeiro acompanhado pela namorada, um irmão, a cunhada e um sobrinho. Os familiares de Coulibaly apanharam um avião para a Síria, com escala na Turquia, como provam as imagens das câmaras de segurança do aeroporto de Barajas – o francês terá regressado depois ao seu país no mesmo automóvel, para lançar os atentados da semana passada.
Em Berlim foram feitas buscas em 11 locais relacionados com o "movimento islamista", de acordo com a polícia. Durante a noite de quinta para sexta-feira foram detidas duas pessoas de nacionalidade turca, embora não tenham sido encontrados indícios de que estivessem a preparar atentados na Alemanha.<_o3a_p>
Ambos pertenciam a um grupo de cinco pessoas que foi localizado na capital alemã, cujos membros são "extremistas islamistas, incluindo cidadãos turcos ou russos de origem chechena ou daguestanesa". Um dos detidos, identificado pela polícia como Ismet D., de 41 anos, é suspeito de liderar a célula e de preparar e apoiar financeira e materialmente candidatos a jihadistas. Emin F., de 43 anos, seria o responsável pelas finanças do grupo. Os restantes três membros não foram detidos por falta de provas, segundo o Ministério Público de Berlim.
UE discute mudanças
Enquanto se debate se os atentados em França e a célula com sede na Bélgica resultam de uma coordenação directa da Al-Qaeda na Península Arábica ou do Estado Islâmico – ou de ambas as organizações, numa competição pelo estatuto de "porta-estandartes da jihad global", segundo as palavras de um responsável da agência de contraterrorismo belga citado pela CNN –, os governos da União Europeia começam a discutir propostas concretas para limitarem a possibilidade de novos atentados terroristas.
Numa reunião marcada para segunda-feira, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia vão discutir a implementação de novas medidas e o reforço das que já existem para tentarem travar o fluxo de potenciais jihadistas entre países europeus e a Síria ou o Iraque.
Os líderes europeus têm tentado passar a mensagem de que o objectivo é agilizar a coordenação dos serviços que já existem e reforçar as leis já em vigor, segundo informações recolhidas pela agência Reuters. Este esforço tem como objectivo tranquilizar quem teme uma reforma profunda, que limite de forma substancial os direitos de privacidade, como aconteceu após os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos com a aprovação do Patriot Act.
Ouvido pela agência Reuters, Anthony Dworkin, da organização European Council on Foreign Relations, considera que os líderes europeus não devem ceder à tentação de aprovar leis mais restritivas, e olha para alguns apelos nesse sentido como "um desejo político de se ser visto como alguém que está a agir".
"As medidas adoptadas de forma precipitada são mais facilmente excedidas, e podem ser menos eficazes do que uma melhor coordenação e aplicação dos procedimentos que já existem", alerta o especialista.