“Espero que possamos voltar às 20 cotadas tão depressa quanto possível”

Luís Laginha de Sousa, presidente da bolsa de Lisboa, reconhece o choque provocado pelo caso BES, mas defende que é preciso separar o trigo do joio.

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Rita Baleia

O ano de 2014 fica marcado por vários acontecimentos muito negativos em cotadas tão importantes como o BES e a PT. Teme que estes casos afastem, em definitivo, investidores nacionais e estrangeiros da bolsa nacional?
Pese embora o impacte negativo dos acontecimentos, considero totalmente desadequado utilizar a palavra “definitivo”, para caracterizar afastamentos do nosso mercado.

A falência do Grupo Espírito Santo foi, sem dúvida, um grande choque no plano nacional, com amplas repercussões internacionais dado, entre outros factores, tratar-se de um grupo económico e financeiro com raízes profundas na nossa história e na nossa economia, com actividades e ligações empresariais em vários sectores (incluindo a PT) localizadas em Portugal e no exterior, e com um nome reconhecido nacional e internacionalmente.

Sem pretender minimizar os acontecimentos, justifica-se no entanto o apelo à sabedoria popular, que sublinha a importância de “separar o trigo do joio”, o que, neste caso, significa não extrapolar para outras empresas ou outras áreas, aquilo que foram problemas muito concretos de um grupo económico e das suas ligações.

Ainda que eventos de grande magnitude possam afectar o mercado no seu conjunto (e isso não é específico do nosso país) é expectável que, no nosso caso, à medida que os factos e as responsabilidades vão sendo apuradas, os investidores possam ir reforçando o interesse pelas empresas portuguesas.

Quero acreditar que as enormes dificuldades a que a nossa economia tem sido sujeita e a dimensão e qualidade da resposta que as empresas têm conseguido dar, significa que estas estão entregues a uma classe de empresários e gestores dotada de grande qualidade e com condições para ser reconhecida como tal.

A forte queda desvalorização do índice, sem paralelo nas restantes bolsas europeias, não é um reflexo dessa saída de investidores?
A evolução dos índices ao longo do ano 2014 teve várias “fases”, isto é, foi influenciado de forma diversa e muito particular por factores muito diferentes ao longo do ano.

Até final de Abril o índice PSI 20 ganhou cerca de 14%, evolução superior à da maioria dos índices de referencia europeus, reflectindo a inflexão da evolução da actividade económica nacional para um ciclo positivo, com a correspondente redução do desemprego, a par do equilíbrio das contas externas, da melhoria das contas públicas e de uma progressão das expectativas dos consumidores e agentes de produção.

A partir do início de Maio, os acontecimentos do GES vieram penalizar o mercado, não apenas pela falência de um grupo económico com peso na economia nacional mas, sobretudo, pelas implicações que ela teve para o sector bancário, conduzindo a uma intervenção inédita neste sector.

É compreensível que, neste contexto, os investidores fiquem cautelosos até perceberem bem todas as implicações que estes acontecimentos e decisões podem representar. É de realçar também que, durante o Verão, o impacto sobre o índice nacional se concentrou sobretudo nos títulos directamente afectados (BES e PT), e no sector bancário, devido, muito provavelmente, a receios sobre efeitos indiretos da medida de resolução.

Já mais recentemente, desde meados de Novembro, os índices bolsistas em geral na Europa começaram a perder valor, incluindo o PSI 20, desta feita, influenciados essencialmente por factores externos, relacionados com a situação política em alguns países e pelos efeitos ainda muito incertos da queda surpreendente, muito rápida e acentuada do preço do petróleo.

Relativamente à evolução do preço do petróleo, pese embora os efeitos possam ser assimétricos entre alguns países produtores e países consumidores, a expectativa é de um contributo positivo para o crescimento mundial. Já quanto à estabilidade política em alguns países da zona euro, quero confiar que existirá a capacidade de compreender que os riscos de colocar em causa o projecto europeu nas suas diversas dimensões não diminuíram pelo facto de a fase mais aguda da crise ter passado ou por se ter entrado numa fase mais positiva da economia.

Em síntese, considerando os factores internos e externos que têm condicionado a economia portuguesa e as economias europeias em 2014, é plausível que, à medida que se forem percebendo melhor os impactes desses acontecimentos, possam surgir condições mais atractivas para os investidores.

Em 2014, o principal índice da Euronext Lisbon “encolheu” para 18 empresas e algumas das cotadas que o integram não cumprem os requisitos exigidos. Há alguma possibilidade de o número de empresas diminuir ainda mais em 2015?
Infelizmente para a Bolsa, mas sobretudo para o país e para o tecido empresarial, o número de empresas cotadas não tem aumentado em termos líquidos e, nos últimos anos, a situação que vivemos, não ajudou. O índice da bolsa portuguesa continuará a ter 20 empresas como objetivo, está neste momento em 18, mas espero que possamos voltar às 20 tão depressa quanto possível.

Não está presentemente em análise mudar as regras no sentido de alterar a composição do índice, até porque a marca “PSI 20” é uma referência reconhecida e valorizada do nosso mercado, e também para os investidores internacionais.

Tem alguma expectativa de inversão do actual ciclo negativo do mercado de capitais português, designadamente pela atracção de novas empresas para a bolsa?
Se considerarmos pelo menos a última década, nunca, como agora, constatei tão amplamente partilhada a ideia de que as empresas portuguesas precisam de se capitalizar e que o mercado de capitais tem que dar um muito maior contributo para resolver esse constrangimento.

Adicionalmente, as empresas precisam de encontrar fontes alternativas e complementares de financiamento, nomeadamente de capitais estáveis, para financiar investimento.

A admissão de obrigações, podendo constituir um primeiro passo para uma futura operação de capitalização, deu sinais positivos em 2014, que poderão ser reforçados no futuro. Justifica-se igualmente uma referência ao novo enquadramento jurídico e fiscal, para as sociedades de investimento em património imobiliário, cuja cotação em bolsa poderá ser uma realidade já em 2015.

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