Quando Obama e Castro apertaram a mão, já havia negociações secretas
Havana e Washington já falavam há meses, quando os dois dirigentes se cumprimentaram em Joanesburgo.
O encontro ocorreu em Joanesburgo, na cerimónia em memória do líder sul-africano Nelson Mandela. Criou burburinho nos media mas foi considerado pelo vice-conselheiro de segurança nacional de Obama, Ben Rhodes, como apenas um aperto de mão.
O que o mundo não sabia é que decorriam há meses negociações secretas, com Obama a procurar um acordo para alterar a mais difícil relação diplomática do Ocidente. E quem liderava os contactos? O próprio Rhodes, um dos mais próximos de Obama.
“Os últimos 50 anos mostraram que o isolamento não resultou”, disse Obama na quarta-feira, ao anunciar a reaproximação. “É tempo de uma nova abordagem.”
A normalização de relações não significa simplesmente a abertura de uma embaixada americana em Havana, mas a flexibilização das restrições de viagens e comércio, que bloquearam o investimento dos EUA na ilha e impediram os amantes de charutos cubanos de os trazerem legalmente para solo norte-americano.
Foi no início de 2013 que Obama autorizou conversações de alto nível para restaurar as relações diplomáticas cortadas há 53 anos, segundo responsáveis norte-americanos que falaram sob anonimato. Designou dois dos seus colaboradores na Casa Branca – Rhodes e Ricardo Zuniga, director sénior de assuntos do hemisfério ocidental no Conselho de Segurança Nacional – para tentarem chegar a um acordo.
Os contactos iniciais foram feitos através das secções de interesses mantidas pelos dois países nas respectivas embaixadas da Suíça, e das missões dos EUA e de Cuba nas Nações Unidas, em Nova Iorque. As iniciativas tiveram o apoio do Canadá e do Vaticano.
Houve cerca de sete reuniões secretas entre os EUA e representantes cubanos, iniciadas em Junho de 2013 em Otava, segundo um responsável familiarizado com as conversações.
Nos últimos meses, o Papa Francisco apelou directamente a Castro para libertar o trabalhador humanitário Alan Gross, libertado na quarta-feira, e a Obama para libertar os três cubanos presos desde 1998, para estimular uma aproximação mais ampla. O primeiro pontífice latino-americano escreveu aos dois líderes instando-os a “resolver assuntos humanitários de interesse comum, incluindo a situação de certos prisioneiros, a fim de iniciarem uma nova fase nas suas relações”, segundo a Secretaria de Estado do Vaticano.
O acordo começou a ganhar forma final num encontro entre enviados dos EUA e de Cuba organizado pelo Vaticano, no qual assuntos como a troca de prisioneiros ficaram resolvidos, segundo um responsável da administração Obama.
Cuba foi falada no primeiro encontro que o então senador John Kerry e Obama tiveram no início de 2013, para discutir a substituição, na secretaria de Estado, de Hillary Clinton por Kerry, disse um responsável do Departamento de Estado. Os dois homens concordaram que a política existente prejudicava os interesses dos EUA.
Por quatro vezes no último Verão, Kerry teve conversas telefónicas com o ministro cubano dos Negócios Estrangeiros, Bruno Rodriguez, centradas na libertação de Gross, segundo um responsável do Departamento de Estado. Em pelo menos uma delas, Kerry disse ao homólogo cubano que se alguma coisa acontecesse a Gross, preso desde 2009, as relações com os EUA nunca melhorariam.
O impasse de cinco anos no caso de Gross é apenas parte de uma longa e complicada relação dos EUA com Cuba, que tinha já décadas antes de Fidel Castro ter chegado ao poder.
Os EUA controlaram Cuba durante quatro anos após a guerra hispano-americana, até à sua independência, em 1902. Mas o regime autoritário do antigo militar Fulgencio Batista, que tomou o poder, em 1952, alimentou a rebelião liderada por Fidel Castro.
Expectativas de mudança democrática após a fuga de Batista, em 1959, foram frustradas quando Castro mandou executar ou aprisionar milhares de opositores e confiscou terra e engenhos de açúcar a cubanos e americanos. A aproximação à União Soviética tornou Cuba um adversário dos EUA na Guerra Fria.
O Presidente norte-americano Dwight Eisenhower impôs um embargo parcial às exportações e cortou as relações diplomáticas, a que se seguiram proibições, determinadas pelo seu sucessor, John F. Kennedy, de viajar e fazer transacções comerciais. Os EUA também promoveram tentativas secretas para desestabilizar o Governo de Havana – incluindo pelo menos oito tentativas de assassínio de Fidel Castro.
O acordo com Cuba para a normalização de relações é a última reviravolta nas políticas norte-americanas de embargo, que afrouxaram e sofreram apertos ao longo de décadas.
“Hoje Cuba é ainda governada pelos Castro e pelo Partido Comunista que chegou ao poder há meio século”, disse Obama, ao anunciar as mudanças. “Nem o povo americano nem o cubano são bem servidos por uma política rígida, enraizada em acontecimentos que ocorreram antes de muitos de nós terem nascido.”
O senador republicano da Florida Marco Rubio criticou as mudanças, apelidando Obama de “pior negociador” desde Jimmy Carter, que deixou cair as proibições de viagens e permitiu a cubanos-americanos deslocarem-se a Cuba. A proibição voltou com Ronald Reagan, nos anos 1980, e as sanções dos EUA endureceram de novo em 1996, após dois aviões de um grupo de exilados cubanos terem sido derrubados, causando a morte de quatro pessoas.
A actual vontade cubana de aproximação aos EUA tem raízes na economia. Rússia e Venezuela, os parceiros de longa de Cuba, estão a ser pressionados pela queda dos preços do petróleo. Obama, enquanto anunciava a mudança de política, sublinhou que a ilha ainda tem fazer progressos nas reformas económicas e nos direitos humanos.
“Temos de aprender a arte de viver em conjunto com as nossas diferenças, num mundo civilizado”, dizia por seu lado Raúl Castro em Cuba, que falou ao país ao mesmo tempo que Obama se dirigia aos norte-americanos.