Activista angolana pediu várias vezes perdão, mas continuou a ser torturada

Caso de estudante agredida por oficiais da polícia e da Segurança do Estado foi denunciado por movimento da oposição e organizações da sociedade civil, que exigem “um pronunciamento imediato do Presidente de Angola a condenar o acto".

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Laurinda Gouveia DR
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GIANLUIGI GUERCIA/AFP

Foi algemada para não poder defender-se, descreve a própria num vídeo que circula na Internet, onde também foram publicadas fotografias dos hematomas e ferimentos que lhe marcam o corpo. “Quando começou, eram 16h. E só terminaram às 18h”, diz a estudante de 26 anos sobre a tortura de que foi vítima. O caso também é denunciado no site de notícias Maka Angola, do activista Rafael Marques.

No vídeo, a estudante do 2.º ano de Filosofia da Universidade Católica de Angola conta que, durante as duas horas ininterruptas em que foi espancada, várias vezes pediu perdão, “por não aguentar mais”. Um oficial respondeu-lhe: “Essas histórias de desculpas vieram tarde de mais. Você tem que nos prometer aqui, agora, que nunca mais vai participar em nenhuma manifestação.”

Lembrar morte de activista
O caso foi denunciado pelo Bloco Democrático da oposição e pelo Grupo de Trabalho de Monitoria dos Direitos Humanos (GTMDH) em Angola, que reúne várias organizações da sociedade civil. Ambos exigem que os oficiais envolvidos sejam responsabilizados criminalmente. Num comunicado, o GTMDH diz que, depois de reveladas as imagens "chocantes" da "brutalidade sofrida" por Laurinda Gouveia, quer ver "um processo de investigação e responsabilização de todos os agentes policiais e membros do SINSE envolvidos". Também "exige um pronunciamento imediato do Presidente da República" no sentido da abertura de uma investigação e "condenando o hediondo crime". 

“Seis comandantes da polícia e oficiais à paisana do SINSE fizeram um círculo para me torturarem, enquanto os subordinados assistiam”, conta a activista, enfatizando que eram os responsáveis que a espancavam enquanto os agentes assistiam ou filmavam. “Arrastaram-me com a cabeça no asfalto, atiraram-me para um carro e levaram-me para a esquadra.” E lembra como começou: estava com outros três activistas junto ao Largo da Independência, para a manifestação convocada pelo Movimento Revolucionário, que organizou vários protestos contra o Governo nos últimos anos.

Desta vez, a data – 23 de Novembro de 2014 – era evocativa da morte, um ano antes, de Manuel Hilberto de Carvalho, conhecido por “Ganga”, um engenheiro civil de 32 anos e militante do partido da oposição CASA-CE. O activista colava cartazes na véspera de uma manifestação anti-Governo, quando foi abordado e detido por elementos da guarda presidencial. Foi levado e terá tentado fugir quando foi abatido.

Um guarda presidencial foi acusado, mas ainda não foi preso, lembrava a Human Rights Watch (HRW) num comunicado divulgado a 4 de Novembro a propósito da análise periódica a Angola – e outros países – no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Na reunião, o ministro da Justiça negou a repressão policial de protestos pacíficos, justificando que os agentes só intervêm quando as manifestações se tornam violentas, diz a HRW. A organização dos direitos humanos voltava a constatar “a negação das tácticas repressivas”, dando como exemplo o assassínio de Manuel “Ganga” e revelando que as detenções de jovens manifestantes continuam em Angola, bem como os episódios em que são espancados em esquadras onde podem não chegar a ficar presos.

"Quem é o vosso líder?"
Laurinda Gouveia sabia desses casos, e dos de Nito Alves, Emiliano Catumbela ou Adolfo Campos, que, além de terem sido torturados, estiveram presos várias semanas depois de levados de manifestações no ano passado. “Mas nunca pensei que seria assim”, diz no vídeo. A activista relata os insultos e torturas e diz que enquanto lhe batiam, com bastões e cabos de aço, lhe perguntavam por que razão participava nesta manifestação. “Por que fazem vocês isto? Quem vos manda? Quem é o vosso líder?”

As perguntas sucederam-se, com Laurinda a desmentir ser motivada nas suas acções pela oposição ao Presidente da República. “Nós não temos líder”, respondia. “Nós somos activistas e achamos que podemos fazer alguma coisa para mudar o país.” Queria acalmar “a raiva” com que lhe batiam. “Eu pedia perdão e eles continuavam, daquela maneira sem piedade.” E de novo, a pergunta: “E qual é a mudança que vocês querem? Porquê tanto ódio contra o Presidente?” E mais ameaças: “Você tem que parar porque um dia, se a encontrarmos numa manifestação, não vamos bater-te, vamos matar-te.”

No fim, os oficiais, entre si, debatiam onde a deviam deixar. Largaram-na no asfalto, de onde a tinham levado, mas noutro local da cidade. “Fiquei inconsciente, com o corpo inflamado [das agressões]. Não conseguia falar. Só conseguia chorar.” Deixaram-na numa rua, já de noite, e não no bairro onde mora – Cassenda (no distrito urbano da Maianga) – “para não levantar suspeitas”, disse um deles. Uma ambulância foi chamada por quem a encontrou e Laurinda foi levada ao hospital.

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