Fazer uma careta à morte
A morte está sempre a bater a porta aqui, e acabou por entrar. Mas os filmes de Resnais fazem-lhe uma careta.
, que pega no mito de Eurídice a partir da variação de Jean Anouilh, encontra o seu “pathos”, sempre sussurrado, ou sempre em eco, na maneira como a morte - ou a ideia da morte - o atravessa de ponta a outra, como se fosse já - e era certamente - uma despedida em preparação, consumida em
Amar, Beber e Cantar, filme que não só pela circunstância de estrear em Portugal em simultâneo parece muito claramente um “gémeo” deste.
E para a que foi mesmo a despedida Resnais voltou a Alan Ayckbourn, o dramaturgo inglês que já lhe dera uma das suas obras máximas da derradeira fase, o díptico Fumar/Não Fumar, e ainda Corações. Numa Inglaterra de cartão pintado, a meio caminho entre um palco de teatro e uma vinheta de banda desenhada, é um filme sobre um quarto prazer além de amar, beber e cantar: narrar. Narrar e seguir as deambulações e as angústias das suas personagens, retratar o trabalho dos seus actores. O vitalismo do filme vem, mais uma vez, do absoluto gozo que se adivinha em Resnais, e que passa integralmente para o espectador. E tal como no filme precedente, a morte está sempre a bater a porta, acabou por entrar (Resnais morreu três semanas depois da estreia do filme em Berlim), mas este filme, que estará entre os mais singulares “derradeiros filmes” de sempre, faz-lhe uma careta.