Nobel da Paz para a paquistanesa Malala e o indiano Kailash Satyarthi
Prémio de 2014 anunciado na manhã desta sexta-feira pela "luta contra a repressão das crianças e pelo seu direito à educação".
O anúncio foi feito esta manhã em Oslo pelo presidente do Comité Norueguês do Nobel, Thorbjoern Jagland, que afirmou que "as crianças têm de ir à escola e não podem ser financeiramente exploradas". O prémio foi atribuído aos dois activistas "pela sua luta contra a repressão de crianças e jovens e pelo direito de todas as crianças à educação", segundo o comité.
O Comité Nobel chama a atenção para a atribuição do prémio a "um hindu e a uma muçulmana, um indiano e uma paquistanesa, que se juntam numa luta comum pela educação e contra o extremismo".
Malala Yousufzai tornou-se conhecida pela sua defesa do direito universal à educação em todo o mundo. Em 2013, a paquistanesa de 17 anos foi galardoada com o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu. Torna-se agora a mais jovem vencedora do Prémio Nobel.
Em 2012, fez esta quinta-feira dois anos, a jovem foi alvo de um atentado por um grupo de taliban que controlava a região paquistanesa onde vivia. Malala sobreviveu e tornou-se uma das vozes mais ouvidas na área dos direitos das crianças à educação. Entre as muitas acções em que participou, sublinha-se o discurso da jovem na sede da ONU em Nova Iorque, em que apelou à tolerância e compreensão entre os povos.
O dia 12 de Julho, data do seu aniversário, foi baptizado pela ONU como o “Dia de Malala”. Há um ano foi publicada a sua biografia, Eu Malala, da autoria da jornalista britânica Christina Lamb.
Na escola, como é habitual
A notícia do Nobel já chegou a Malala, que “estava na escola, como é habitual”, segundo um porta-voz da Edelman, uma empresa de relações públicas que gere a sua imagem, citado pela AFP. Desde que foi vítima do atentado a jovem vive com a família em Birmingham, no Reino Unido.
A acompanhar o primeiro Nobel da Paz atribuído a uma adolescente (Malala é a mais jovem de sempre a receber o prémio) surge um activista dos direitos das crianças: Kailash Satyarthi, 60 anos, abandonou uma carreira de engenheiro electrónico para se dedicar à luta contra o trabalho infantil nos anos 1980. A organização que fundou, Bachpan Bachao Andolan, já conseguiu retirar perto de 80 mil crianças do trabalho escravo, conseguindo devolvê-las à educação e ajudar na sua reintegração.
O activista agradeceu o prémio, que representa o "reconhecimento da dor que milhões de crianças sofrem", em declarações à agência Press Trust of India.
Satyarthi é o promotor de vários movimentos da sociedade civil, incluindo o maior dedicado a este tema, a Marcha Global contra o Trabalho Infantil, que une organizações não-governamentais, sindicatos de professores e de comércio de todo o mundo (2000 grupos em 140 países). Também fundou a Campanha Global pela Educação, que visa combater a crise global na área.
Na Índia, promoveu acções para tornar a educação num artigo constitucional. Na sequência disso, em 2009, foi aprovado no seu país a Lei do Direito à Educação Gratuita e Obrigatória. Outras leis foram entretanto aprovadas, mas o problema continua a ser a prática, consequência da pobreza e da corrupção (que diminiu as hipóteses de os empregadores serem responsabilizados pelas autoridades), mas também da falta de escolas com boas condições e de professores.
Um primeiro dia de escola chocante
"O meu primeiro dia de escola foi emocionante, mas também foi chocante. Havia uma criança da minha idade a trabalhar à porta da escola com o pai. Perguntei ao meu professor por que é que aquela criança não vinha à escola e ele não respondeu. Falei com o director e ele disse: 'É comum, são crianças pobres'", contou o agora laureado numa entrevista ao PÚBLICO, em 2005. Quando ganhou coragem e foi falar com o miúdo, este explicou-lhe que toda a sua família tinha começado a trabalhar na infância. "Nós nascemos para trabalhar", disse-lhe.
Na mesma entrevista, Satyarthi conta à jornalista Ana Cristina Pereira que, ainda jovem, começou a fazer uma revista chamada A luta deve continuar "sobre as pessoas ignoradas e as suas lutas", uma publicação que fazia sozinho e enviava para as autoridades. "Um dia, apareceu-me um homem com 40 e muitos anos, cheio de fome e sede e com umas revistas dessas na mão. Um leitor tinha-lhe dado e dito que me procurasse. Ele contou-me que tinha sido vendido e que durante 17 anos estivera a trabalhar numa fábrica. Fugiu de noite, com a família, porque os patrões queriam vender a filha, de 14, 15 anos a um bordel", recordou, numa conversa à margem da Conferência Europeia sobre Tráfico de Crianças.
Escravos a sair à rua na Índia
Depois desse encontro, Satyarthi foi à fábrica com uns amigos e tentou libertar quem lá vivia. Levaram pancada e não conseguiram nada, mas não desistiram e foram a tribunal, obtendo a libertação de 37 pessoas. "Foi impressionante vê-las chegar à cidade. Algumas nunca tinham visto carros, arranha-céus, semáforos. Algumas, como a filha daquele homem, já tinham nascido dentro da fábrica. E isto foi na Índia, a maior democracia do mundo, em 1980."
“Calcula-se que haja 168 milhões de crianças a trabalhar em todo o mundo actualmente”, disse Jagland. “Em 2000, este número era de 78 milhões. O mundo tem de se aproximar do objectivo de eliminar o trabalho infantil.” A Índia é o país com mais crianças que trabalham: de acordo com a ONG Childine India Foundation, um recenseamento concluiu que este número passou de 11,28 milhões em 1991 para 12,59 em 2001. Os números não param de aumentar: o ano passado, segundo a Unicef, havia 28 milhões de crianças indianas dos 6 aos 14 anos a trabalhar.
A Fundação M.V., de Andhra Pradesh, diz que há 400 mil crianças a trabalhar na apanha do algodão na Índia, a maioria raparigas entre os 7 e os 14 anos; destas, 90% vivem aqui, um dos maiores grandes estados do Sul do país. Em algumas zonas do país, há crianças que continuam a trabalhar nas minas, o que é proibido desde 1952.
Este ano o comité recebeu um recorde de 278 candidaturas – cuja identidade irá permanecer desconhecida durante 50 anos.
Em 2013, o prémio foi atribuído à Organização para a Proibição das Armas Químicas, responsável pela destruição do arsenal químico na Síria.
Notícia corrigida: onde se lia arsenal nuclear deve ler-se arsenal químico.