A "conservadora" Macau espera para ver o que acontece em Hong Kong

A sociedade civil do antigo território português é mais apática e não tem grande experiência de activismo, mas isso é algo que pode mudar, “à boleia de Hong Kong”.

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Manifestação do 1º de Maio em Macau Tyrone Siu / Reuters

Há 28 anos a morar em Macau, Ana Soares nota que um movimento como aquele que está a ocorrer em Hong Kong “é coisa que não podia existir em Macau”. “Há uma noção de cidadania em Hong Kong”, mas “Macau tem um défice dessa noção”, observa. A opinião é partilhada por outro português de Macau, que preferiu não ser identificado, para quem os movimentos democráticos estão ainda numa “fase embrionária”. “A ideia de um regime democrático ainda não é capaz de trazer muita gente para a rua”, acrescenta.

Ainda assim, há uma empatia com a “revolução dos guarda-chuvas” de Hong Kong. Esta quarta-feira, um grupo cívico conseguiu juntar cerca de 800 pessoas na Praça da Amizade, numa acção de apoio aos manifestantes de Hong Kong, de acordo com o jornal South China Morning Post.

Bill Chou tinha acabado precisamente de regressar a casa depois de ter discursado na Praça da Amizade quando respondeu ao email enviado pelo PÚBLICO, em que dá conta do papel que o activismo de Hong Kong tem sobre Macau. “Os activistas de Macau procuram inspiração e seguem as pisadas dos seus iguais em Hong Kong”, diz-nos este professor universitário, que é também vice-presidente da Associação Novo Macau, um grupo pró-democrático que está representado na Assembleia Legislativa com dois deputados.

Mas mesmo entre os activistas há o reconhecimento das diferenças entre os dois territórios em termos de mobilização política. Bill Chou diz-nos que “a população de Macau é mais conservadora”. “O governo local tem mais formas de pressão sobre os cidadãos, incluindo em termos laborais e empresariais”, explica. A comunidade portuguesa, que hoje representa cerca de 2% da população, é “pró-democrática, de forma geral”, diz Bill. Contudo, “abstém-se de fazer muito ruído”, uma vez que “muitos portugueses relevantes estão dependentes do governo para a sua subsistência”, observa o activista.

A apatia da generalidade dos macaenses tem várias razões, na óptica de Ana Soares. A forte imigração de chineses para o território, “que não sentem Macau como deles”, é uma das explicações, mas, quando comparado com Hong Kong, “Macau é uma aldeia, onde a promiscuidade é muito grande”, lamenta a advogada. A profissão torna-a sensível a outros factores: nota no antigo território português “um sistema judicial extremamente permissivo” e alerta para o aumento dos “julgamentos políticos”.

Há, porém, sinais de que algo está a mudar e o rumo que o movimento pró-democrático de Hong Kong tomar será determinante para o futuro político de Macau. Este ano, o pequeno território de 600 mil habitantes assistiu a uma das maiores manifestações da sua história, quando em Maio saíram à rua milhares de pessoas, algo “nunca visto”, garante Ana Soares.

Em causa estava um regime de compensações para altos funcionários, que os manifestantes, sobretudo estudantes, à semelhança de Hong Kong, queriam ver chumbado. Ana acredita que este foi “um ano de inversão” daquilo que é o activismo em Macau, em que as pessoas “manifestam-se uma vez por ano no 1º de Maio, mas nada de significativo”.

E será possível ver manifestações da mesma magnitude das que agora ocupam o centro de Hong Kong nos próximos tempos? Bill acha possível: “Os macaenses têm ficado mais consciencializados acerca dos seus direitos políticos e percebem a relação entre as más políticas públicas e um sistema político não democrático”.

Ana Soares não arrisca antecipar esse cenário, mas está certa de que a influência dos acontecimentos em Hong Kong será determinante. “São duas sociedades muito distintas, apesar de Macau ir à boleia de Hong Kong.”

Taiwan aprende com Hong Kong

Se em Macau se olha para Hong Kong como um laboratório do activismo pró-democrata, em Taiwan a leitura é mais pragmática. A grande luta deste território de 23 milhões de habitantes é o reconhecimento da sua independência em relação a Pequim, ao mesmo tempo que tenta manter boas relações no campo económico.

O governo chinês tem tentado múltiplas aproximações a Taiwan, propondo-lhe a reunificação através do sistema “um país, dois sistemas”, o mesmo que garante a autonomia – e uma série de liberdades e garantias – a Hong Kong e a Macau. O exemplo de Hong Kong tem sido especialmente vincado pela administração chinesa como um caso de sucesso, sendo prova disso a estabilidade e a prosperidade do território.

Agora, numa altura em que as ruas de Hong Kong desafiam abertamente Pequim, os governantes de Taiwan podem olhar para o antigo território britânico e ver um “sinal de alerta”, como escreveu a revista The Diplomat: “O presente de Hong Kong pode ser o futuro de Taiwan”, avisa.

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