Empreendimento de luxo junto à lagoa de Óbidos está insolvente
Considerado um dos melhores empreendimentos turísticos da Europa, o Bom Sucesso Design Resort, Leisure & Golf está na falência. Proprietários tentam salvar o campo de golfe.
Ancorado num campo de golfe e alavancado por um hotel de cinco estrelas (que não chegou a ser construído), o resort do Bom Sucesso apresentava um conceito pioneiro, assente no design. Vinte e três dos melhores arquitectos portugueses foram convidados a desenhar casas únicas e originais valorizando, logo à partida, um empreendimento bem localizado, perto da lagoa de Óbidos e do oceano, numa zona longe de estar massificada. O BES foi o banco financiador.
A dimensão internacional do projecto surpreendeu os próprios promotores. Mais de 70% das compras de casas foram feitas no estrangeiro, sobretudo por ingleses, irlandeses e espanhóis. As casas valiam entre 300 mil até perto de 1 milhão de euros. Ricardo Salgado tem lá uma. José Mourinho também ali comprou uma residência. E entre os espanhóis proprietários há personalidades de destaque da banca e da política do país vizinho.
A maioria dos compradores, porém, raramente lá residem. Naquilo que pode ser classificado como o “time sharing dos ricos”, os investidores adquirem a residência, podem usá-la durante um mês e deixam que o próprio resort a alugue durante o resto do ano. A rentabilidade do capital era garantido com taxas anuais entre os 3% e os 5%.
Tudo correu bem até à crise. Mas a contracção do mercado imobiliário fez com que as vendas das casas caíssem a pique. E sucedeu-se a falência de empresas que compunham a estrutura accionista do Bom Sucesso. A queda do BES, principal financiador, acelerou o naufrágio. A Caixa Nova Galícia e o Deutsche Bank estão agora entre os principais credores. E o hotel Hilton, um investimento de 27 milhões, dos quais 13,6 milhões de euros são fundos comunitários, tem a sua construção parada há nove meses.
A estrutura accionista do Bom Sucesso é complexa. Cerca de metade do seu capital pertence a um fundo imobiliário fechado que é integralmente detido pela Acordo Óbidos SA que, por sua vez, é detida a 100% pela Bom Sucesso SGPS. Estas duas últimas estão insolventes, mas o fundo existe e está em Plano Especial de Recuperação (PER). O objectivo é protegê-lo dos credores, entre eles a Caixa Nova Galícia (como era denominada Abanca, após um processo de fusão) que sobre ele reclama créditos de 30 milhões de euros.
A outra parte do capital pertence em 24% à família Graça Moura, que foi promotora do projecto, ao BES PME Capital Growth (15%) e ao Estado Português que, através da Portugal Ventures (uma operadora de capital de risco público), detém 15% do capital.
São todas estas entidades que detém, por sua vez, a empresa que trata da exploração do empreendimento (BS Actividades Hoteleiras e Turismo SA) e a que trata do campo de golfe (Golf Bom Sucesso SA). Ambas, porém, estão insolventes.
Salvar o campo de golfe
Num empreendimento deste tipo o campo de golfe é absolutamente sagrado. O seu encerramento degradaria o ambiente devido à fala de manutenção, transformando-o em semanas num terreno inóspito, arrastando consigo o valor imobiliário das casas de luxo que o circundam. Daí que, apesar de ter ido à falência em Junho, o campo de golfe do Bom Sucesso tenha continuado a funcionar durante o Verão. A BS Villas Exploração Turística Lda., empresa com um capital social de apenas mil euros, despediu alguns trabalhadores, manteve alguns e contratou outros, e conseguiu manter o golf a funcionar. É também esta sociedade por quotas (num universo em que os accionistas do
resort são todos sociedades anónimas ou fundos de investimento) que trata do condomínio do resort, mantendo-o em funcionamento e dando uma aparência de normalidade a um projecto que, do ponto de vista jurídico-financeiro, é um pântano.
Até quando pode durar esta empresa é uma incógnita, visto que as receitas não abundam e só a manutenção do golfe pode custar entre 10 a 12 mil euros por mês.
Numa visita ao empreendimento, o PÚBLICO não observou um complexo em ruínas, como a falência da sua estrutura accionista poderia indiciar, mas sim um resort de alta qualidade e altamente selectivo. À entrada, os carros são mandados parar por seguranças que desincentivam a entrada de forasteiros. Só um olhar mais atento detecta aquilo que Maria da Graça Meireles, administradora da BS Villas, reconhece: há 80 casas em construção. Muitas delas paradas, e há zonas de indisfarçáveis estaleiros abandonados em alguns bairros do empreendimento.
O Bom Sucesso tinha prevista a construção de 600 casas, mas só foram construídas 350. Ainda assim, foram vendidas 430, mas nem todas foram construídas, existindo apenas o lote pois os seus proprietários ainda não iniciaram a sua construção.
Maria da Graça Meireles diz que o empreendimento estará entre 60 a 70% daquilo que seria o seu objectivo.
Só que agora já nem se trata de o concluir, mas sim de o salvar. Manter o golfe é imprescindível. E a conclusão do hotel daria uma séria alavancagem ao projecto.
Por parte dos credores, a Portugal Ventures – que apesar de gerir dinheiro dos contribuintes não quis revelar quanto investiu no projecto – reconhece que poderá não reaver o seu capital. Fonte oficial da empresa disse ao PÚBLICO que “independentemente da sua posição de accionista, o Fundo de Capital de Risco Portugal Ventures, enquanto credor da sociedade em apreço, mantém legítimas expectativas de, no âmbito do processo de insolvência em curso, poder reaver, ainda que apenas parcialmente o investimento realizado”.
Parte da família Graça Moura, que é a mentora do projecto e sua principal promotora imobiliária, apresenta-se também como credora laboral, uma vez que alguns dos seus elementos desempenharam funções de administradores nas empresas que faliram. Uma situação criticada pelos proprietários do resort e pelos trabalhadores.
Quanto ao hotel de cinco estrelas, uma porta voz da Hilton Worldwide, em Londres, disse ao PÚBLICO que o “Hilton Bom Sucesso Óbidos Resort encontra-se suspenso enquanto aguardamos mais notícias do seu proprietário”. A empresa proprietária é a BS – Actividades Hoteleiras e Turismo SA que está insolvente. A cadeia internacional, porém, diz que “continuamos empenhados em aumentar a nossa presença em Portugal, onde agora temos três marcas com sucesso em operação”.
A imagem da Hilton pode ter ficado afectada, mas a cadeia não perdeu dinheiro com a não construção do hotel que, de resto, poderá acabar nas mãos de outra marca que o queira comprar.
O hotel, desenhado pelo arquitecto Eduardo Souto Moura, está concluído em 75% e tem 120 quartos. Estima-se que possa criar 62 a 70 postos de trabalho. Aquando do início da construção, o então presidente da Turismo de Portugal, Luís Patrão, classificou-o como “um excelente exemplo de como as coisas se devem fazer”.
O financiamento desta unidade hoteleira de cinco estrelas permanece opaco. O PÚBLICO apurou que a AICEP terá investido pelo menos 8,8 milhões de euros, visto que é esse o montante que esta entidade pública reclama devido à insolvência da promotora do hotel. Mas também o Instituto Turismo de Portugal tem nele empatados 1,2 milhões de euros, se bem que, ao contrário da AICEP, este investiu aquele montante com uma garantia bancária do BES. O BES é, de resto, também credor de 2,5 milhões de euros sobre o hotel inacabado.
Torneira do IMT fecha
Apesar de ser um concelho essencialmente rural, pouco industrializado, Óbidos teve durante anos uma fonte de receitas invejável em comparação com os municípios vizinhos e até com o resto do país. Graças a uma estratégia que privilegia os
resorts selectos com clientes estrangeiros ricos, em vez do turismo doméstico e massificado, o município destaca-se nas receitas de IMI e de IMT. Em termos de IMT per capita, cada obidense recebeu em 2009 387 euros de IMT, sete vezes mais do que a média nacional e o dobro da média do Algarve.
O resort do Bom Sucesso, bem como os vizinhos Praia D’el Rey, Royal Óbidos e Quintas de Óbidos, vão ainda mantendo um fluxo razoável de receitas extraordinárias ao município. Mas, em 2012, segundo o Pordata, a receita de IMT caía já para metade. Continua, no entanto, a ser muito superior à da média nacional.