Leonard Cohen em arrumações
Se não houver mais nenhum álbum, o adeus está aqui, sem amarguras, como que agradecendo à música o regaço em cada momento de imperfeição.
“I never liked it fast / You want to get there soon / I want to get there last”, canta, enquanto o mesmo motivo rítmico tépido vai empurrando Slow para a frente e permite que um teclado aconchegante se lhe junte. Muito embora possa ser pouco adepto das pressas e de reduzida tolerância a qualquer forma de pressão, é necessário recuar até finais da década de 70 para encontrar outros dois álbuns de Leonard Cohen – Death of a Ladies’ Man e Recent Songs – cujo fosso entre as duas edições diste apenas dois anos.
É certo que as questões financeiras ditadas pelo desfalque de que foi alvo por parte da sua inventiva manager – que terá inventado um novo destino para cinco milhões de dólares e foi condenada a 18 meses de prisão por isso – terão contribuído para esta súbita actividade aos 80 anos, completando dois álbuns e anunciando um terceiro a caminho. Mas tudo isto soa sobretudo à necessidade de Cohen pôr um ponto final numa série de canções que leva em desarrumo (nalguns casos há mais de duas décadas), não lhe dando descanso e pedindo atenção para terem, finalmente, direito a uma existência fora da sua cabeça.
Só que nem sempre os arranjos parecem seguir aquilo que as palavras e o canto de Cohen pedem. Por vezes, soam a mal necessário, a um empecilho – como se os instrumentos devessem ser reduzidos a um mínimo de “obsctáculos” que mais vale desviar do caminho uma vez que a voz continua a saber para onde vai. A toada elegíaca a pairar sobre Samson in New Orleans e sintonizada em Tom Waits, por exemplo, acaba por encontrar consolo num violino que salva o tema de uma banalidade instrumental imperdoável. A Street, por seu lado, parece enviada por engano para Cohen quando teria sido encomendada por Joe Cocker – e não se percebe como se pode achar que metais sintetizados na canção de um mestre das canções é prestar-lhe um bom serviço.
Nem tudo falha, claro. Almost Like the Blues segue a mesma tepidez comprometida que segura Slow, a leveza country/folk de Did I Ever Love You oferece ao canadiano uma graciosidade que não visita com muita frequência e Nevermind exemplifica na perfeição a surdez da guerra, com uma voz arábica colada por cima de uma música que não parece capaz de ouvi-la nem integrá-la. Mas o melhor chega mesmo com as suas dúvidas e inquietações religiosas em Born in Chains, certa no tom soul/gospel e uma das suas mais arrepiantes interpretações de sempre (a voz está captada como se nada houvesse entre Cohen e o seu público neste pacificado desabafo, quase confissão), e um You Got Me Singing que é uma luminosa canção de despedida.
“You got me singing even though the world is gone / You got me singing that I’d like to carry on”é uma apólice de seguro. Se não houver mais nenhum álbum, o adeus está aqui, sem amarguras, como que agradecendo à música o regaço em cada momento de imperfeição.