Tudo em A Viagem dos Cem Passos tem a ver com estes cruzamentos culturais contidos na própria ficha técnica: é um elogio, cheio de bonomia e ingenuidade, da miscigenação cultural, num mundo onde não há xenofobia (“la France aux français”) que resista a um bom bife Bourguignon temperado com o perfume das especiarias indianas. A culinária, pois então: a família indiana, contra toda a sensatez (“a cozinha francesa é conhecida em todo o mundo”, avisa logo uma personagem), abre um restaurante de comida indiana mesmo em frente – “cem passos” os separam – de um restaurante de luxo com uma estrela Michelin. Durante um bocado, parece que o filme é sobre a rivalidade entre os dois restaurantes; depois muda para a amizade entre os dois restaurantes e respectivos proprietários (Mirren e Om Puri); finalmente, no último terço passa a ser sobre a insatisfação do protagonista (Manish Dayal), o cozinheiro-estrela que tinha passado do restaurante indiano ao de luxo, e dai seguiu para Paris brincar com a comida num restaurante de “cozinha molecular”.
A ingenuidade e a intensa superficialidade da narrativa – que já devem ser herdadas do “best-seller internacional” em que o argumento se baseou – são agravadas pela total indisponibilidade de Hallstrom para construir qualquer cena com um mínimo de peso dramático (ou cómico), aparentemente mais interessado em repetir a receita deChocolate e seduzir o espectador pelo food porn e pelo folclore da gastronomia (mas bolas, uma pessoa vê cinco minutos de um Masterchef qualquer e ali a comida até existe, aqui nem isso, é só uma de espécie de presépios com ouriços do mar, vegetais e muitos molhos).
Não se acredita absolutamente em nada neste filme, nem nas personagens, nem nas situações, nem nos diálogos, nem nos anedóticos choques culturais. Tudo é preterido em função da mensagem “inspiradora” e da energia positiva. Nada contra isso, a Hollywood clássica está cheia de filmes assim. Mas já se deixou – provavelmente desde Capra – de saber fazê-los de forma a ser possível acreditar neles.