Contratação colectiva: um direito previsto na constituição que está a agonizar

"Desmantelamento" das negociações sectoriais leva milhares à rua, mas razões do protesto estão também no salário mínimo congelado e nos cortes que se aproximam para a função pública.

Foto

No primeiro caso, é fácil perceber as razões dos milhares de trabalhadores que ontem desafiaram o calor. No segundo, a complexidade dos termos técnicos pode dificultar essa percepção. Afinal, por que é que a contratação colectiva é tão importante e motiva uma manifestação?

Desde logo, porque é um direito que está previsto no artigo 56º da Constituição da República. Lá se diz que “compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei”. E depois, porque é através desse mecanismo que sindicatos e associações empresariais negoceiam acordos que regulam as condições de trabalho adaptadas à realidade de cada sector ou empresa.

Na prática, as convenções colectivas permitem estabelecer horários flexíveis e adaptados às necessidades da empresa, formas de remuneração adicionais, entre outras matérias que são do interesse dos trabalhadores e das empresas e que vão para além do que a lei prevê. O problema é que, ao longo dos últimos anos, a lei foi tomando o lugar desta negociação mais localizada, a crise foi deixando as empresas sem margem e as sucessivas alterações legislativas, nomeadamente as restrições à extensão das convenções a todas as empresas de um mesmo sector, (ainda que não sejam filiadas na associação que assinou a convenção), ajudou a que estes contratos fossem perdendo terreno.

Em 2008, estavam abrangidos por convenções colectivas de trabalho quase dois milhões de trabalhadores; em 2013 eram 242.239. Embora por razões diferentes, a situação preocupa tanto sindicatos como as confederações patronais. Uns porque os trabalhadores perdem direitos; os outros porque também não podem beneficiar de algumas flexibilidades que lhes permitem responder com mais rapidez às exigências do mercado.

A CGTP entende que o Governo quer dar o golpe final a esta forma de negociação – muito comum em países nórdicos, nomeadamente na Alemanha – com as alterações agora aprovadas e que reduzem a vigência dos contratos de 18 para seis meses, quando as associações empresariais e os sindicatos não chegam a acordo nas negociações. Paralelamente, também se reduz o prazo de vigência das cláusulas de algumas convenções mais antigas que dizem que aquela convenção só pode caducar se for substituída por uma nova.

Além do “desmantelamento” da contratação colectiva e do prolongamento, até ao final do ano, do regime que reduz para metade o valor do trabalho extraordinário, as razões para as manifestações são mais vastas e implicam um salário mínimo nacional (SMN) congelado e novos cortes na função pública.

Já esta semana, a CGTP lançou um ultimato ao Governo para que feche com urgência o processo. Com a chegada da troika a Portugal, em 2011, o SMN ficou congelado nos 485 euros, mas agora que os credores saíram do país, a central quer o aumento para os 500 euros, com efeitos a 1 de Junho. O Governo diz que quer discutir o assunto, algo que tem vindo a adiar. O relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, conhecido na terça-feira, a recomendar que o SMN permaneça congelado até que haja sinais robustos de relançamento do mercado de trabalho, deixa alguns receios no ar.

O problema não é apenas dos trabalhadores do sector privado. Na função pública, a tabela salarial começa precisamente nos 485 euros, remuneração que abrange funcionários da área da Educação, Saúde ou autarquias admitidos a partir de 1 de Janeiro de 2009 ou que não progrediram na carreira.

A administração pública é, de resto, a próxima batalha que a CGTP tem pela frente. A reposição dos cortes salariais na função pública ou a nova contribuição sobre as pensões são algumas das medidas que foram ou serão aprovadas em breve e que merecem a oposição da central sindical.

Sugerir correcção
Comentar