Nos últimos planos de O Quinto Poder, o controverso mentor do projecto Wikileaks, Julian Assange, sob os traços do actor inglês Benedict Cumberbatch, faz a primeira crítica do filme em que acabou de ser a figura principal: um filme “anti-Wikileaks” cheio de erros, mentiras e propaganda. E diz a seguir que ninguém vai contar a verdade dos factos - caberá ao espectador deslindar o mistério. Nesse piscar de olho meta-ficcional que reflecte a posição do verdadeiro Assange face ao filme do americano Bill Condon (Dreamgirls) reside a chave de leitura de O Quinto Poder. É fita que quer ser tão escrupulosamente neutra e mostrar todos os lados da questão que acaba por diluir a potência da sua história central, ao mesmo tempo que procura enquadrar a ascensão do controverso site de informações dentro do esquema narrativo do filme político-liberal americano (pensar em clássicos como Os Homens do Presidente ou Os Três Dias do Condor, embora longe de estar na mesma categoria).
O que interessa a Condon é, claramente, a relação entre Assange e Daniel Domscheit-Berg (Daniel Brühl, que já foi este ano um espantoso Niki Lauda no Rush de Ron Howard), o informático berlinense que foi seu parceiro durante os primeiros anos da aventura Wikileaks antes da ruptura, que ocorreu em finais de 2010, aquando da divulgação dos primeiros documentos diplomáticos americanos. E também o modo como ela reflecte a questão subjacente dos “media do cidadão” e a redefinição da prática e da ética jornalística nos dias que correm. É, aliás, por aí que se entende a melhor (a única) ideia visual do filme - a de imaginar o site Wikileaks como uma enorme e infinita sala de redacção virtual (e a referência aos Homens do Presidente, aqui, torna-se evidente).
Mas, ao observar a história da luta pela alma de um novo mundo mediático através de vários pontos de vista - da Wikileaks, dos “velhos media” que se procuram reinventar, da administração americana embaraçada, de um informador posto em risco pelas revelações -, O Quinto Poder acaba por sublinhá-lo a traço desnecessariamente grosso. O combate surdo entre Assange, manipulador charmoso, e Domscheit-Berg, entusiasta com consciência, chegaria por si só para desenhar o conflito entre o pragmatismo e o idealismo, entre a teoria revolucionária e as limitações da prática no mundo real. Esse traço grosso introduz uma dimensão moralista, quase pedagógica, no que, de outro modo, seria apenas um fascinante conto moral, e corre o risco de levar ao desentendimento de O Quinto Poder como um filme anti-Wikileaks. Não é: é só uma tentativa de contar uma história de hoje nos únicos modos narrativos que Hollywood conhece. Que pode falhar (e falha, apesar da produção impecável e do elenco certeiro), mas pelo menos tentou.