A incógnita da abstenção domina eleições portuguesas para o Parlamento Europeu
As urnas estão abertas hoje para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu. Os níveis de participação dos eleitores em Portugal é uma das principais expectativas.
É imprevisível o que pode acontecer hoje em termos de participação eleitoral dos cidadãos. O facto de serem eleições para uma instituição distante e supranacional, num momento de crise financeira e ao fim de três anos de intervenção directa de instituições europeias, depois de uma campanha em que mal se discutiram os assuntos europeus, são algumas das razões que criam a expectativa de que a abstenção aumente. Essa é a opinião dos especialistas que tem estudado a abstenção e os comportamentos eleitorais ouvidos pelo PÚBLICO, André Freire, Fernando Farelo Lopes, José Manuel Leite Viegas e Pedro Magalhães.
Pedro Magalhães, sociólogo investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e responsável pela base de dados Prodata da Fundação Francisco Manuel dos Santos, é dessa opinião e explica que o tipo de eleições acentua a falta de interesse dos eleitores. “A percepção dos eleitores é a de que conta pouco a sua decisão de voto e a relação com os órgãos que decidem sobre a União Europeia”, sustenta, acrescentando que, “das eleições nacionais resulta um Governo ou um Parlamento, nas europeias do ponto de vista do eleitor não é evidente a relação”.
O sociólogo considera que, à partida, “nestas eleições em concreto há mais dois factores que poderiam fazer com que cidadãos votassem mais”. Por um lado, disputa-se “a eleição do presidente da Comissão Europeia que tem dois candidatos assumidos”. Por outro lado, “são as eleições sobre temas europeus, em que estes temas como o euro surgem como assuntos de política doméstica”.
Mas acrescenta que na prática “a presença dos candidatos à presidência da Comissão Europeia tem sido reduzida” e “na campanha portuguesa os temas europeus, que deviam ser domésticos, não existem”, já que “o PS apresenta um programa de Governo e a coligação fala de José Sócrates”, por exemplo, “a discussão sobre o tratado orçamental que Portugal assinou não é feita, ninguém fala nisso”.
O peso dos emigrantes
O investigador considera assim que não há “nenhuma razão para que a abstenção diminua”. E sublinha que existem “ factores que podem influenciar” o aumento: “Os cadernos eleitorais contêm cidadãos que se encontram fora e ainda estão recenseados no local onde já não vivem, são pessoas que não estão em situação de votar.” E considera que o crescimento da emigração nos últimos anos, “faz com que essa abstenção técnica possa aumentar”.
Também José Manuel Leite Viegas, sociólogo investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, partilha a ideia de que “o aumento dos emigrantes é claro que afecta” mas adverte que esta questão “tem que ser analisada para perceber em que percentagem afecta a abstenção”.
Leite Viegas insiste na ideia de que é do domínio comum que as europeias “têm maior abstenção”. E questiona-se: “Será ainda maior agora?” Para admitir que “a hipótese é essa, embora haja razões para o contrário”, já que, “nas últimas eleições tem havido consenso sobre temas europeus, isso não era mobilizador, agora há polarização em relação ao euro e à dívida, por exemplo”.
E salienta que “os níveis de confiança na União Europeia baixaram na Europa e em Portugal”, já que “as pessoas pensam: eu confiei, as expectativas não vão no sentido da minha confiança, viro costas”.
Já Fernando Farelo Lopes reafirma a ideia de que “a abstenção nas europeias é um fenómeno estrutural, mantem-se elevada sem grande variação”, uma comportamento que “tem a ver com o facto de as instituições europeias se encontrarem distantes dos cidadãos de cada Estado”. Uma das razões pelas quais, “em Portugal e não só, muitas vezes as campanhas eleitorais acabam por redundar em campanhas para as próximas legislativas”. Isto porque, “a população não está motivada ouvir questões europeias e os partidos do arco do poder não têm diferenças entre si.”
Mas Farelo Lopes lembra ainda que “a crise trouxe a desistência, o conformismo, em Portugal a presença da troika leva a que abstenção seja maior”. Já André Freire, sociólogo investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, admite que esse possa ser o resultado da política de austeridade, mas considera tal atitude eleitoral “paradoxal num momento tão grave, os cidadãos não expressarem o seu sentir.”
André Freire admite também a proximidade dos partidos em relação aos temas europeus: “As questões europeias são muito actuais mas os partidos nãos as politizaram. Mas sublinha um factor de peso pode ser o facto de “a formação do poder executivo na Europa não depender do voto”, pois o Conselho e a Comissão são nomeados pelos Governos nacionais.
Por sua vez, “os Governos nacionais não são eleitos com base em programas eleitorais para a Europa” e não têm propostas políticas para as questões que se colocam. “As democracias amararam-se ao mercados e criaram uma situação de dependência e de limitação”, conclui.
Este investigador salienta ainda em relação a Portugal a existência de “uma desconfiança em relação à política”. E frisa: “A desconfiança do poder atingiu o paradoxismo com este Governo, isso desvaloriza o perfil das eleições e da política.”
Obrigar a votar?
Durante a campanha eleitoral foi mais uma vez ventilada a ideia de que uma solução para combater a abstenção seria tornar o voto obrigatório. Uma ideia que não seduz os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.
André Freire limita-se a afirmar: “Não sou simpatizante, embora seja um instrumento importante nos países onde as sanções são grandes.”
Farelo Lopes considera que esta solução “ofende a liberdade dos cidadãos”. E perante o argumento de que “a crise dos partidos e dos regimes democráticos podia ser atenuada com o instrumento do voto obrigatório” responde que “a introdução do voto obrigatório com esperança do aumento de interesse não suscita aumento de participação”, num eleitorado em que “há uma certa frustração”.
Leite Viegas sublinha que “o voto obrigatório existe nalguns países, mas tem sido abandonado” e que se é um facto que “aumenta a participação, mas isso depende das sanções” e conclui peremptório “Não sou muito a favor, pois tende a esconder o interesse dos cidadãos. Isso não é atacar a doença, mas deitar os termómetros fora.”
Também Pedro Magalhães rejeita a hipótese, mas adverte: “Não gosto de discutir o voto obrigatório do ponto de vista dos princípios, quando se diz que não se pode obrigar a votar , nós na vida somos obrigados a muita coisa , temos de ter os filhos nas escolas, temos de pagar impostos.”
Magalhães argumenta que “o que interessa é perceber para que serve o voto obrigatório”. E acrescenta que “há quem considere que ao serem obrigados a votar, os cidadãos se informam mais, para decidirem.” Mas argumenta: “Os estudos não revelam maior interesse por política. As pessoas que na Bélgica votam porque são obrigadas, não estão mais informadas nem mais interessadas.” E acrescenta: “Não me parece que os sentimentos de identificação com a Europa sejam maiores na Bélgica, onde há voto obrigatório, do que entre nós.”
Este investigador sublinha ainda que na Europa não há grande relação entre o voto e o estatuto social, “na Europa a relação sociológica com a abstenção é a da idade, os idosos não votam”.
E lembra que “para que o voto obrigatório seja eficaz, é preciso que haja sanções e estas sejam eficazmente aplicadas”. Ora, conclui Pedro Magalhães: “Receio que não funcione com a nossa administração que não é capaz sequer de ter os cadernos eleitorais actualizados, não creio que fosse viável.”