Morreu Gabriel García Márquez
O escritor colombiano morreu aos 87 anos esta quinta-feira em sua casa, onde se encontrava a convalescer.
Foi na carretera de Acapulco, no México, em 1965, quando viajava num Opel branco, com a sua mulher Mercedes e os filhos Gonzalo e Rodrigo, que o escritor Gabriel García Márquez soube como poderia acabar “uma história que não o tinha deixado em paz durante os últimos 20 anos”, “uma história que começou a escrever quando tinha 19 anos, a que chamou La Casa, mas que estava incompleta e ele não sabia por onde a começar”. Tratava-se, é claro, do romance Cem Anos de Solidão (Dom Quixote), que conta a história da família Buendía que vive no imaginário Macondo.
Foi durante essa viagem, a caminho de uns dias de férias com a família nas praias de Acapulco, e enquanto conduzia, que à memória do escritor colombiano veio o momento em que o seu avô lhe mostrou pela primeira vez um bloco de gelo, Gabriel tocou-lhe com o dedo e achou que estava quente. E assim nasceu o início deste romance, um clássico mundial da língua castelhana: “Muchos años después, frente ao pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía hábia de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo.”
Esta obra foi traduzida em mais de 35 línguas e vendeu mais de 30 milhões de exemplares. A academia sueca quando lhe atribuiu o prémio Nobel em 1982 justificou-o por na sua obra "se aliarem o fantástico e o real na complexidade rica de um universo poético reflectindo a vida e os conflitos de um continente”.
Gabriel García Márquez estudou em Bogotá, começou a sua carreira de jornalista, apaixonou-se à primeira vista por Mercedes Barcha e muitas vezes sobreviveu graças à ajuda dos amigos e colegas escritores enquanto escrevia. Vivia no México desde 1961 mas passava temporadas em Cartagena (na Colombia), em Barcelona (Espanha, onde fica amigo de Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e Julio Cortázar ) e em Havana, Cuba.Há anos que as suas aparições públicas eram raras e não costumava fazer declarações à imprensa.
Conta-se que Gabo (como lhe chamavam) foi surpreendido, em 1982, por um telefonema da Academia Sueca a comunicar-lhe que lhe tinha sido atribuído o Prémio Nobel da Literatura. Estava a dormir, atendeu o telefone e achou que era uma brincadeira.
Esta quinta-feira o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, escreveu na sua conta de Twitter : "Mil anos de solidão e tristeza pela morte do maior colombiano de todos os tempos! Solidariedade e condolências a Gabo e família". E acrescentou: "Os gigantes nunca morrem."
O primeiro a dar a notícia foi o jornalista da cadeia mexicana Televisa, Joaquin Lopez-Doriga, que também o anunciou na sua conta no Twitter.
Realismo Mágico
A editora Cecília Andrade, da D. Quixote (onde a sua obra está publicada em Portugal) sentiu esta perda como uma “Crónica de uma morte anunciada”, disse à agência Lusa parafraseando um dos muitos títulos do autor colombiano.
Lembrou também que o escritor “fez escola e muitos escritores seguem-lhe o estilo desde esse fabuloso romance que é Cem anos de solidão. Uma escola, a do realismo mágico, que não se restringe à América Latina ou ao universo da Língua Espanhola, e que tem seguidores em todo o mundo, incluindo Portugal”.
As Publicações D. Quixote começaram a publicar os títulos de Gabriel García Márquez na década de 1980, e a sua obra está actualmente “toda disponível”, confirmou a editora à Lusa. O autor de Amor em tempos de cólera não publicava desde 2010 quando foi dado à estampa Yo no vengo a decir un discurso (a frase com que costumava começar as suas conferências). Em 2012, o seu irmão Jaime García Márquez divulgou que lhe tinha sido diagnosticada uma demência e que por ter perdido a memória não voltaria a escrever.
Memória das minhas putas tristes, editado em 2004, é o último livro de ficção que publicou. O romance sucedeu a Do Amor e outros demónios, publicado dez anos antes. Amor em tempos do cólera, Crónica de uma morte anunciada, O general no seu labirinto e Ninguém escreve ao coronel são outros títulos emblemáticos do escritor. Há também a autobiografía, Viver Para Contá-la (D. Quixote), de 2002.
O que o escritor e coordenador do Plano Nacional de Leitura (PNL), Fernando Pinto do Amaral, destaca na obra do escritor colombiano é a “grande aliança" entre memória e imaginação. “Era um homem cuja obra reflecte muito aquilo que é. Foi beber imenso às memórias da sua família e da sua cultura, que foram as suas fontes de inspiração. Conseguiu uma grande aliança entre memória e imaginação”, disse à Lusa aconselhando a leitura de O Amor em Tempos de Cólera. Duas das suas obras são recomendadas para o Ensino Secundário pelo PNL: Cem anos de solidão e Os Funerais da Mamã Grande.“Destaco sobretudo a obra de Gabriel García Márquez. O escritor morreu, mas a obra fica”, sublinhou.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, prémio Nobel da Literatura de 2010, soube da notícia na cidade andina de Ayacucho, onde estava com a família, refere o Canal N de televisão, citado pela agência Efe. "Morreu um grande escritor cujas obras deram grande difusão e prestígio à literatura da nossa língua", declarou Vargas Llosa, com sinais de evidente incómodo com a notícia. O autor peruano acrescentou que as obras de García Márquez "sobreviver-lhe-ão e continuarão a ganhar leitores em todos os lugares". "Envio as minhas condolências à família", disse ainda Vargas Llosa, que foi grande amigo de García Márquez até a meio das carreiras dos dois escritores. No entanto, um diferendo, nunca explicado pelos escritores, provocou um afastamento entre eles.
Na passada segunda-feira, a mulher e os filhos do escritor colombiano emitiram um comunicado, no qual afirmavam que o estado de saúde do Nobel era “muito frágil”, havendo “risco de complicações”. Gabriel García Márquez regressara a casa no início do mês, depois de uma hospitalização que durou uma semana, por uma infecção pulmonar. Segundo a AFP, citando o diário El Universal, o cancro linfático de que o escritor tinha sido vítima há 15 anos reapareceu e já tinha metástases nos pulmões, gânglios e fígado.