Orbán vai suceder a Orbán na Hungria, após quatro anos de conflito com a UE
A oposição de esquerda uniu-se, quase em cima das eleições, para tentar fazer frente ao partido do primeiro-ministro que foi alvo de tantas críticas da UE. Mas isso de pouco deve adiantar. A extrema-direita ganha terreno.
“Estas eleições serão livres no sentido em que se poderá colocar o voto secreto numa urna, mas não serão justas”, diz Bajnai, que liderou um Executivo tecnocrata de transição, entre Abril de 2009 e 29 de Maio de 2010, após o primeiro-ministro socialista Ferenc Gyurcsány ter anunciado a sua demissão. “Orbán está a tentar construir um país pós-soviético, seguindo o modelo das repúblicas da Ásia Central, da Ucrânia ou da Bielorússia. A Hungria está a caminho de se tornar uma democracia altamente danificada”, disse à revista The Economist.
O Parlamento Europeu aprovou em Julho um relatório do eurodeputado português Rui Tavares que censurava as medidas mais controversas tomadas pelo populista Orbán e recomendava 30 iniciativas para que se ajustasse às normas, comunitárias, citicando as mais de 500 alterações efectuadas à lei húngara logo no primeiro ano de governação, que tiveram efeito sobre a justiça, as liberdades públicas, religiosa e de imprensa. Propunha também medidas para a União Europeia lutar contra futuras ameças ao Estado de direito no espaço dos Vinte e Oito. Mas, contra ventos e marés, Orbán mantém-se firme.
Já governação do economista Bajnai deixou boas recordações, pelo contraste em relação a Gyurcsány. A impopularidade do primeiro-ministro socialista era enorme, porque tinha enviado tropas de choque contra os protestos violentos em Budapeste depois de terem sido tornadas públicas gravações de uma reunião do Partido Socialista Húngaro (MSZP), em que dizia ser “óbvio que andámos a mentir durante o último ano e meio a dois anos”. Bajnai esteve vários anos nos Estados Unidos, e quando voltou fundou um partido político – o Juntos 2014, centrista. Mas não conseguiu mobilizar a oposição.
No entanto, após muitas negociações, que na verdade duraram os quatro anos de mandato de Viktor Orbán, os principais partidos da oposição conseguiram formar uma aliança eleitoral contra o Fidesz, de Orbán, que tem uma sólida base eleitoral fora de Budapeste. Ao Juntos 2014 de Bajnai uniram-se o Partido Socialista, a Coligação Democrática de Gyurcsány, o partido verde-liberal LMP (cuja sigla significa, em húngaro, a política pode ser diferente) e o Partido Liberal. O líder formal da aliança é o socialista Attila Mesterhazy.
Mas só em Janeiro conseguiram anunciar esta aliança, o que lhes deu muito pouco tempo para passar a mensagem de oposição unida. O Instituto de sondagens Median dá-lhe 23% das intenções de voto, enquanto o Fidesz deverá ter 47%. Outras sondagens dão-lhe apenas 36% – mas ninguém duvida de que continuará a dominar o Parlamento, pois a nova lei eleitoral, dizem os especialistas, favorece este partido.
A reforma da lei eleitoral era necessária: a antiga era ainda uma amálgama do sistema comunista com algumas actualizações. Nenhum governo tinha conseguido a maioria de dois terços necessária para fazer as mudanças. Mas a forma como foi feita suscita preocupações. O número de deputados foi reduzido de 386 para 199, suprimiu-se a segunda volta, e os círculos eleitorais foram redesenhados de uma forma que deverá favorecer o Fidesz. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) manifestou-se preocupada.
Com menos de 50% dos votos, Viktor Orbán pode facilmente obter uma maioria de dois terços no Parlamento, sublinha a especialista em sistemas constitucionais da Universidade de Princeton (EUA) Kim Lane Scheppele, que tem escrito muito sobre a Hungria no blogue do economista Paul Krugman no New York Times.
Jobbik limpa imagem
O terceiro elemento deste jogo é o partido de extrema-direita, anti-semita e anti-ciganos Jobbik, a quem as sondagens atribuem um máximo de 21% dos votos (em 2010, tinham tido 17%), graças a uma estratégia de limpeza da sua imagem, como a empreendida em França pela Frente Nacional, de Marine Le Pen.
Menos discursos racistas, mais sorrisos: este é o lema não oficial da campanha do partido liderado por Gabor Vona. Famílias, jovens e estudantes são os seus alvos privilegiados. “Há cerca de um ano, decidiram refazer a sua imagem, afastar-se do extremismo, para sobreviverem e progredirem”, explicou à AFP Kristof Domina, presidente do Instituto Athena, um observatório dos movimentos extremistas na Hungria.
Esta estratégia até desorienta os apoiantes hard-core do Jobbik, neonazis e anti-semitas – como os que participaram em Fevereiro num comício em Esztergom, uma cidade do Noroeste do país. Mas, no seu programa, o partido mantém-se fiel aos fundamentos nacionalistas, e continua a defender o endurecimento do sistema penal – fala muito na “criminalidade cigana” – e o restabelecimento da pena de morte.
Energia russa a 80%
Já o primeiro-ministro renunciou a elaborar um programa eleitoral. Todos os seus discursos de campanha andam em torno de uma única ideia: os populares cortes de 20% do preço do gás e da electricidade. Certamente terão contribuído para inverter uma década negativa do índice de sentimento económico da Hungria. A Bloomberg prognosticava em Março um crescimento de 2% da economia.
Será para manter esta política energética que o Governo está a aumentar a dependência da Hungria em relação à Rússia, numa altura em que a União Europeia está a tentar fazer o contrário.
Não só a Hungria importa cerca de 80% do seu gás natural da Rússia – uma das taxas mais elevadas nos Vinte e Oito – como já este ano o Parlamento de Budapeste aprovou um acordo para que a agência nuclear russa construa dois novos reactores VVER-1200 na central nuclear de Paks, que duplicarão a sua capacidade de geração de electricidade de 2 para 4 gigawatts.
Um projecto destes seria sempre polémico, mas o acordo com Moscovo só foi revelado três dias antes de ser aprovado pelo Parlamento – o que era um facto consumado, com a maioria de dois terços de que dispõe o Fidesz. A UE expressou a sua preocupação com a falta de transparência do proceso.
Também não há grande questionamento do Governo, porque os media públicos são muito controlados e os privados ou pertencem a grupos próximos do Fidesz ou são estrangulados economicamente, através da atribuição – ou não – de contratos de publicidade do Estado. É o que acontece ao jornal de referência Nepszabadsag ou à rádio Klubradio. Se não é uma censura directa, acaba por produzir auto-censura: “É um elemento psicológico, a maioria das pessoas quer evitar os conflitos”, disse à AFP Balazs Weyer, professor de jornalismo.