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Os “bons companheiros” da GNR que combatem a solidão dos idosos

Eles desconhecem em que dia ao certo vão receber a visita dos cabos da GNR, mas sabem que volta e meia eles aparecem. Para fazer uma ronda, perguntar se está tudo bem, se precisam de algo, avisá-los vezes sem conta para os contos do vigário. As fardas dão-lhes segurança e conversar um pouco também quebra o silêncio dos montes alentejanos.

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Lourenço, de 97 anos, vive com a mulher não muito longe do centro de Montemor João Cordeiro

É um dos casos que a GNR de Montemor-o-Novo segue de perto. O major Rogério Copeto, de Évora, acredita que os cabos são “os anjos da guarda” de muitos idosos.

A GNR tem programas especiais de policiamento de proximidade, como o Programa Apoio 65 — Idosos em Segurança que tem como objectivos, entre outros, garantir a segurança dos que vivem isolados, apoiá-los, sensibilizá-los para a criminalidade. Além disso, tem vindo a fazer o levantamento do número de idosos sozinhos e/ou isolados, através dos Censos Sénior. Este ano, registaram quase 34 mil, mais do dobro do que na primeira edição, em 2011. Um aumento explicado não só pelo envelhecimento da população, mas também pelo facto de a GNR ter vindo a apurar o método de contagem nos Censos, conseguindo chegar a cada vez mais pessoas.

A área de intervenção da GNR cobre 94% do território do continente, mas exclui Lisboa, Porto e outras capitais de distrito. Os casos de risco detectados, dependendo da situação, são sinalizados à Segurança Social, às santa casas da misericórdia, às instituições particulares de solidariedade social, aos serviços de acção social das autarquias, ao centro de saúde: “Nós estamos na primeira linha, somos a cola entre vários parceiros”, diz o major Rogério Copeto. Na última operação dos Censos, encontraram um homem de 101 anos que vivia sozinho e sem telefone. Já está num lar.

Maria não tem telefone. Os guardas andam de um lado para o outro, a ver em que ponto há rede, querem arranjar-lhe um, no âmbito de uma parceria com uma empresa privada que oferece telemóveis com chamadas até cinco euros: “Têm teclas grandes, não requerem grandes ensinamentos”, diz o major Copeto. Os números memorizados numa das teclas incluem, entre outros, a GNR e os bombeiros.

Segundo os Censos deste ano, Viseu é o distrito com mais idosos nestas situações — 2945. Beja, Guarda, Évora, Portalegre e Santarém também têm mais de dois mil idosos a viverem sem companhia ou vizinhança. O distrito de Évora tem 2650: a média de idade é 77,5 anos, 40% não tem telefone e, em 14 concelhos, Montemor-o-Novo é o que tem mais casos — 758. Os números foram divulgados na terça-feira.

“Só quero que me ajudem”
Isabel, 89 anos, e Lourenço, 97, não vivem muito longe do centro de Montemor: “Isto é perto, mas com 90 já é longe”, diz Isabel. Têm uma neta “amiga de ajudar”, uma filha que lá vai todas as semanas, e já sabem que, volta e meia, aparecem os cabos: “Vêm cá muito, perguntam se precisamos de alguma coisa”, diz Isabel que gosta de conversar. “Isto hoje está muito sozinho. Já tivemos vizinhança, mais convívio.” Aproveita e mostra aos cabos os saquinhos que tem feito em croché: “Tomem, é para as vossas senhoras porem os lenços na bolsa.”

Os idosos nunca sabem quando aparecem os guardas, porque estes evitam a rotina, para que nenhum estranho a conheça. “Há idosos que visitamos quatro a cinco vezes por mês, outros só uma. Perguntamos sempre se apareceu alguém com muitas perguntas, se precisam de alguma coisa, se viram carros suspeitos. Dizemos-lhes que, se aparecerem por aqui a pedir ouro para benzerem, não aceitarem”, explica o cabo Sérgio Roque. O cabo Carola acrescenta: “Para não caírem em burlas e no conto do vigário. Alertamos também para os maus-tratos a idosos e, se precisarem de alguma coisa, para se queixarem.”

Agostinho, 80 anos, Rosalina, 74, e Carlos, 80, vivem juntos. Agostinho e Rosalina são casados, Carlos é irmão de Rosalina. Têm telemóvel, mas se não fosse a família a ligar, Rosalina até se esquecia dele. Os filhos ajudam com a roupa e a comida. “E aos médicos, têm ido?”, perguntam os cabos. “Quando é preciso, os filhos vêm cá buscar-nos”, garante Rosalina. “E por aqui tem aparecido alguém?”, querem ainda saber. Agostinho conta que foi lá uma investigadora que queria ver “umas pedras” antigas no terreno, para um estudo. “Era uma doutora”, garante.

Agostinho diz que os GNR “são bons companheiros”, mas pelo sim, pelo não dorme com “uma espingarda à cabeceira”.

Lourenço, 77 anos, vive sozinho e anda com medo de assaltos. A visita da GNR acalma-o: “Só quero é que vocês me ajudem”, diz-lhes. Não tem água em casa, vai buscá-la a um poço. As refeições são-lhe levadas pelas técnicas do lar mais próximo. Filhos, não tem, só três irmãos. Não tem telemóvel. Os cabos insistem que devia ter um, mas ele não quer gastar dinheiro. “Preocupa-nos que vivam aqui nos montes sozinhos e isolados. No Alentejo há muita dispersão. Os novos saem para os centros urbanos e os idosos querem ficar. Gostam da ligação à terra”, diz o major.

*a pedido da GNR, o nome completo das pessoas e dos montes é ocultado para evitar burlas

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