No México, quando a polícia não chega, o povo pega nas armas
Há cerca de um ano que uma parte do território mexicano é praticamente controlada por milícias populares. Fartos da ineficácia e da corrupção das forças de segurança, milhares de civis têm lutado contra os cartéis da droga.
Há cerca de um ano que vários municípios de Michoacán são controlados por grupos de civis armados, que operam como uma autêntica polícia. Dizem-se defensores do povo contra os abusos dos cartéis do narcotráfico que espalham o terror pelas comunidades, onde matam, violam e raptam impunemente há décadas. O seu crescimento foi exponencial. “Quando começámos éramos 15 de manhã, à uma da tarde éramos três mil e às oito da noite éramos cinco mil”, explica ao jornal mexicano Excelsior o “Comandante Cinco”, líder das autodefesas de Parácuaro. O governo do estado de Michoacán estima que existam mais de 15 mil homens armados.
A braços com aquele que é descrito como o maior desafio dos últimos vinte anos, o Governo federal, liderado pelo Presidente Enrique Peña Nieto, que fez da luta contra a droga a sua grande bandeira, iniciou na última semana uma ofensiva militar contra os cartéis de Michoacán. Por trás da decisão está o receio que o avanço das milícias populares tem causado. Para além de controlarem onze municípios de Michoacán, há relatos da presença de forças de autodefesa em pelo menos mais quatro estados e até mesmo nos arredores da Cidade do México, segundo a Foreign Affairs.
A propagação destes grupos revela o falhanço, tanto a nível estatal como federal, das instituições legítimas: os governantes e as polícias. “O problema que temos aqui é que não temos garantias de segurança entre as nossas autoridades locais porque estão comprometidas com os inimigos da paz”, observa o bispo de Apatzingan, Miguel Patiño, à BBC. “Para quem é que nos podemos virar?”.
Em Michoacán, mais do que noutras regiões do México, quem governa verdadeiramente são os cartéis e um em especial: os “Cavaleiros Templários”. Resgatando a designação do grupo de cavaleiros que combateram nas Cruzadas, trata-se de um cartel com uma ideologia “pseudo-religiosa e regionalista”, como descreve o El País, e que domina o tráfico de droga no estado de Michoacán há quase uma década.
O objectivo dos grupos de autodefesa que actuam em Michoacán é combater o poder dos Cavaleiros Templários. Quando chegam a uma cidade convidam a população a juntar-se à sua luta, distribuindo armamento e dando treinos militares. Para atingir os seus objectivos de pacificação, as milícias actuam para lá da legalidade. Estabelecem checkpoints nas estradas, pedem identificações, impõem castigos, torturam suspeitos e perseguem as autoridades locais, que culpam por serem ineficazes ou por estarem compradas pelos traficantes. Em muitas comunidades, as autodefesas são o único garante de alguma ordem e, por isso, gozam de uma legitimidade que a polícia perdeu.
Mas não há lugar para inocentes na sangrenta história do narcotráfico no México. As forças de autodefesa, não obstante a aprovação mais ou menos generalizada pelas populações, são acusadas de combaterem os Templários a mando de outros cartéis rivais, nomeadamente do “Jalisco Nueva Generación”. Os milicianos contestam as acusações, mas as dúvidas permanecem quanto a uma possível deposição das armas quando os cartéis forem desmantelados. O receio é o de que aconteça algo semelhante ao que sucedeu com as Forças Unidas de Autodefesa da Colômbia, cujo papel original era o de combate às FARC, mas que depressa degeneraram numa organização paramilitar perigosa.
O poder adquirido no último ano pelas forças de autodefesa em Michoacán levou o Governo a enviar forças militares para a região com o objectivo de combater os Templários. No início da semana, o Exército anunciou a captura de um dos líderes do cartel, conhecido como “El Toro”. No entanto, as milícias reiteram que só vão abandonar as armas quando os sete cabecilhas do cartel forem presos.
A forma como o Governo mexicano vai lidar com as forças de autodefesa pode determinar o grau de estabilidade no país nos próximos anos. Ceder à tentação fácil de empregar a força contra as milícias irá redundar num extremar da opinião pública nas regiões afectadas, cuja confiança nas instituições já é reduzida. Por outro lado, a possibilidade de estes grupos originarem ameaças sérias ao próprio poder dos Estados não é de afastar.
A solução pode já estar a ser posta em prática, ainda que de forma informal. Apesar de não haver um reconhecimento a nível federal destes grupos, alguns governos locais já iniciaram aproximações aos milicianos, dando-lhes algum equipamento básico e até algum treino.