O privilégio de ouvir e reouvir Carmen Linares
O Festival de Flamenco de Lisboa acrescentou mais uma noite de ouro às que promove desde 2008.
O Grande Auditório do CCB não encheu, mas foi pena. Ouvir e ver Carmen Linares na função maior do cante é um privilégio e uma exaltante recompensa. Senhora de uma voz portentosa e conhecedora de todos os segredos da arte vocal flamenca, ela assentou o espectáculo em Remembranzas, o seu mais recente trabalho (de 2011), mas incluiu nele outros temas da sua preciosa discografia. Ladeada por Ana María González, e Rosario Amador nos coros e palmas e por Salvador Gutiérrez e Eduardo Pacheco nas guitarras (Pablo Suárez viria mais tarde, para o piano), Carmen começou precisamente com Remembranzas, de Juan Ramón Jiménez (por alegrías), acrescentando-lhe depois Llanto, do mesmo poeta, bulería que ela gravara no disco Raíces y Alas (2009). Em ambas foi expressiva e eloquente, demonstrando desde logo as potencialidades do seu canto, só artificialmente atenuadas devido a uma má gestão do som dos microfones (o dela estava mais baixo do que os dos seus acompanhantes), corrigida ao longo da noite.
Nana, canção de embalar, só com um dos guitarristas, antecedeu um cante por soleá sóbrio mas majestoso, deixando depois Gutiérrez e Pacheco num instrumental que o público aplaudiu calorosamente. El niño yuntero, por malagueñas, inaugurando a presença da poesia de Miguel Hernández na noite, com Pablo Suárez ao piano e com Carmen Linares a seu lado, de pé, vestida de negro e branco (à imagem de um recital), foi um dos grandes momentos do concerto, contando no final com a participação dos dois guitarristas. Seguiram-se mais três temas sobre poesia de Hernández, só com voz e piano. Dois musicados por Luis Pastor, Mis ojos sin tus ojos e Casida del sediento, este de abordagem superlativa e efeito magnético, e El sol, la rosa y el niño, toná que Carmen apresentou como “um cante mais primitivo”, decididamente uma obra-prima.
Moguer, auroras de Moguer, de Juan Ramón Jimenez, manteve a fasquia bem alta e deu a Rosario e Ana oportunidade para mostrarem os seus (bons) dotes vocais. Por fim, Baladilla de los tres ríos, de Federico García Lorca, deu oficialmente por encerrado o espectáculo de forma exaltante e plena, com o público a aplaudir de pé a arte flamenca.
No encore, como é “norma”, houve Fiesta por bulerías, com Rosario e depois Ana a chegarem-se à beira do palco, cantando e bailando sem microfone, em desafio alegre e gratificante, num entrelaçar de vozes e cordas em exaltante celebração festiva. Depois, perante a insistência do público, Carmen Linares voltou para cantar sozinha, a capella, Canto de la resignación, de José Luis Ortiz Nuevo e Juan Carlos Romero, em sentida homenagem a Enrique Morente, anterior convidado de luxo do Festival de Flamenco de Lisboa (actuou no S. Carlos em Setembro de 2010, morreu em Dezembro desse ano).
Mais uma noite de ouro, esta de 2013, a juntar àquelas em que, desde 2008, o Festival de Flamenco de Lisboa trouxe a palcos nacionais nomes como Miguel Poveda, Enrique e Estrella Morente, Miguel de Tena, Habichuela, Cañizares ou a Família Vargas.
O festival de 2013 tem ainda na sua agenda uma mesa-redonda intitulada Fado e Flamenco – Patrimónios Imateriais da Humanidade (dia 6 de Junho, na sala Luís de Freitas Branco, às 19h) e um tablao em homenagem à extraordinária bailaora catalã Carmen Amaya (1913-1963), dia 7, às 21h, no pequeno auditório do CCB, às 21h. Neste concerto de baile flamenco actuam Manuel Jimenez, “Bartolo” (director artístico do “Tablao de Carmen”), as bailarinas Manuel Rios e Lucia Alvarez, “La Piñona”, e o jovem bailarino Miguel Fernandez, “Yiyo”. Participam ainda neste espectáculo o guitarrista sevilhano Raúl, “El Perla”, e o cantaor catalão Juan Fernandez, “Juaneke”.
No dia 4 de Julho, em colaboração com o Instituto Cervantes, o Festival muda-se para o Porto. No Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, às 20h, será feita a apresentação do Festival de Flamenco do Porto seguindo-se às 20h30, na mesma sala, um “Concerto Clássico de Cante Jondo” com o cantaor Pedro Cintas (nascido em 1976 em La Albuera, Badajoz) e Juan Manuel Moreno na guitarra flamenca.