Para os fanáticos, a Eurovisão é o ano inteiro
O silêncio do mau tempo de sábado numa avenida lisboeta, disfarça o que se passa dentro de um dos seus restaurantes. Abre-se a porta e a música eurovisiva ressoa. À entrada verificam-se os nomes dos que confirmaram presença. Afinal, este não é um jantar para qualquer um. É para os sócios da Organização Geral de Apoio à Eurovisão (OGAE).
Nas mesas e cadeiras dispostas como se de uma conferência se tratasse, começam a juntar-se pequenos grupos. De folhas nas mãos, às cinco e meia da tarde, pontuam-se as músicas da Eurovisão deste ano, já conhecidas de todos os presentes. “Acompanhamos as finais nacionais de cada país com a mesma vontade com que acompanhamos a portuguesa”, diz Nina Pinto, desde sempre conhecida no seu local de trabalho como “geek da Eurovisão”.
“Vejo especialmente o Festival da Suécia. É um grande festival”, conta Ricardo Mendes, que de tanto ver destes concursos aprendeu turco e grego. “Juntamo-nos para falar da Eurovisão porque mais ninguém fala. Se falarmos com outros amigos, não sabem do que estamos a falar”, justifica Ricardo a sua entrada no grupo. Em 1980, o seu pai comprou uma televisão a cores propositadamente para ver o Festival da Canção. Hoje não há colorido que valha ao mítico programa da RTP. “As pessoas foram perdendo o interesse por causa dos maus resultados e da falta de promoção da RTP.”, lamenta.
O encontro em que se faz a antevisão do certame europeu é o último antes do espectáculo que acontecerá, este ano, no Azerbaijão. Nos ecrãs, por toda a sala, pergunta-se: “Porque sonho eu com o Eurofestival?”. “Ser fã da Eurovisão não se explica, sente-se”, resolve Nina com facilidade. Mas a resposta está, em geral, no passado de cada um, quando se assistia religiosamente ao festival da canção.
“Sei exactamente o ano em que esta paixão começou. A primeira vez que gravei a Eurovisão foi em 1993, no ano da Anabela. Fui inteiramente contaminado pelo bichinho”, recorda Guilherme Santos, actual presidente da OGAE, que não se considera o “fã enciclopédia”: “Não sou daqueles que sabe todas as datas e canções.”
Viver a EurovisãoQuando Guilherme Santos chegou à OGAE Portugal, em 2009, já a organização tinha 12 anos. O grupo é um dos ramos da casa-mãe, OGAE Internacional, fundada na Finlândia com o nome Organization Général des Amateurs de l’Eurovision. A associação existe em quase todos os países que participam e não só, Guilherme Santos sabe que existem fãs na Austrália, México ou Argentina.
Por todo o mundo, a actividade das OGAE é autónoma, mas conflui em certas alturas do ano. Esta é uma delas. Os resultados das votações dos fãs portugueses serão enviados ao centro internacional, bem como os resultados dos fãs de todo o mundo. Aí se somarão os pontos e se descobrirá quem, na opinião destes especialistas, merece ser o vencedor.
A soma dos pontos não mente: para os portugueses, o vencedor deve ser a Suécia. Esteja Portugal ou não representado na final, os verdadeiros fãs não perdem o entusiasmo. “O Eurofestival é da Europa e nós fazemos parte da Europa”, justifica Luís Marques, que tem gravados todos os Festivais da Eurovisão e que julga que o proveito maior que tira da sua participação na OGAE é a aceitação de que diferentes povos pensam de maneira diferente. “Ganhei uma grande mentalidade socrática: sou um cidadão do mundo.”
Na OGAE discutem-se canções e intérpretes, seguem-se as carreiras dos que ganham e dos que perdem. Fazem-se comparações com edições passadas e conhecem-se fãs de todo o mundo. “É estar com pessoas que falam a mesma língua”, resume Nina.
Nesta língua não há um estereótipo. Entre os 223 associados é possível encontrar, entre os 17 e os 40 anos, bancários, deputados, funcionários do Tribunal de Contas, protagonistas do próprio Festival da Canção, como Carlos Costa ou Pedro Granger. “As pessoas pura e simplesmente gostam, mesmo que achem piroso”, constata Guilherme.
Promoção da músicaJoana Raposo, de 26 anos, assistiu ao festival em Düsseldorf, o ano passado. Não percebe todas as letras mas adora ouvir os CD da estante onde guarda só os temas da Eurovisão. Mas o Eurofestival ao vivo ultrapassa a música: “Tem arte, coreografias e espectáculo. É arrepiante”, confessa
Ir ao festival — este ano em Baku, Azerbaijão— são cerca de 15 dias a conviver com milhares de outros fãs, cantores e comunicação social de toda a Europa. Luís Machado confessa gostar especialmente do Festival da Canção, mas a diversidade cultural, a adrenalina e emoção atraem-no na viagem à Europa. “Nunca fui ao estrangeiro assistir, mas espero, se Deus quiser, um dia conseguir.”
Na Eurovisão o imperativo é o divertimento e, para Guilherme Santos, não há que ter complexos. “Há músicas na Eurovisão deste ano pavorosas, mas eu gosto de quase todas.”
Eurovision Party é em SetúbalEm Setembro, Setúbal será a capital europeia dos artistas do festival da casa. Já na terceira edição, a Eurovision Party reúne cantores que passaram pela Eurovisão e milhares de fãs de toda a Europa. Será no dia 10, no auditório José Afonso.
A iniciativa é promovida, em parceria, pela OGAE Portugal, a Câmara Municipal de Setúbal e pelo site “Eurovision On TOP”. Nos dois dias de Eurovision Party juntam-se nomes sonantes do imaginário da Eurovisão de mais de uma dezena de países.
Além da Eurovisão, os fãs acompanham outras iniciativas, os concursos internos — OGAE Second Chance e OGAE Song Contest —, levam ao conhecimento dos sócios internacionais os artistas que não participam na Eurovisão. Embora aconteçam sobretudo pela Internet, mobilizam muitos associados que “vão aos encontros para ver os vídeos, discutir, votar. É outra Eurovisão”, revela Guilherme Santos, presidente da OGAE, que gostava de organizar o Second Chance, rompendo com o concurso virtual. “Seria um espectáculo ao vivo com todos os países a concurso”, imagina.
Notícia corrigida às 10h44 de 28/05:Corrigido a localização de Baku e o local da realização do festival de 2011.