Embargo ao petróleo vai ter efeitos, dificilmente os desejados
A campanha norte-americana para convencer o mundo a deixar de comprar petróleo ao Irão já está a "dar frutos", garante o Departamento de Estado na sequência de uma ofensiva diplomática que levou responsáveis norte-americanos a quase todos os compradores da república islâmica. De fora ficaram os europeus, já que a UE se comprometeu a aprovar um embargo petrolífero e chegou a acordo para proibir parte das suas transacções com o banco central iraniano.
A medida europeia, a ratificar hoje numa reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, surge quase um mês depois da assinatura por Barack Obama de uma lei que prevê que as instituições financeiras que mantenham laços com o banco central iraniano percam o acesso ao sistema financeiro norte-americano. A ideia da UE é proibir as transacções que possam servir para financiar o programa nuclear ou o negócio petrolífero.
O petróleo é o grande alvo das novas sanções, as já aprovadas pelos EUA e as que a UE prepara. Ao ameaçar punir bancos e empresas que negoceiem com o banco central de Teerão, Washington quer obrigar os países a comprar menos petróleo iraniano - o banco central é o principal canal para as transacções de crude.
As visitas de responsáveis dos EUA aos compradores asiáticos deram, de facto, alguns frutos: o Japão está a ponderar cortar 100 mil barris; a Coreia do Sul discute reduzir 40 mil barris. E até as refinarias da Índia, país que oficialmente tenciona "fazer negócios com o Irão como habitualmente" (e enviou uma delegação a Teerão para debater formas de pagamento que contornem o banco central), já estão a comprar petróleo extra a Riad.
A China é a grande incógnita. Opõe-se a sanções e considera que o comércio e o programa nuclear iraniano são assuntos distintos. O que não impediu o primeiro-ministro, Wen Jiabao, de realizar uma rara viagem à Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar, países a quem poderá comprar mais gás e petróleo.
Analistas ouvidos pelo Financial Times estimam que aos 450 a 550 mil barris que a UE deixará de comprar quando o embargo entrar em vigor - ainda não é certo que período de transição ficará estipulado, com alguns países a defenderem um prazo de três meses e a Grécia, um dos principais implicados, a pedir um ano - poderão somar-se outros 250 mil barris/dia entre os importadores asiáticos mais próximos dos EUA (Japão, Coreia do Sul, Taiwan e talvez a própria Índia). "Estamos a falar de entre 550 e 850 mil barris/dia, o que pode ter um impacto de 25 a 35% das exportações do país", diz Ed Morse, investigador do Citigroup.
O único país em condições de aumentar as importações iranianas, e compensar assim o impacto deste embargo, é precisamente a China, que só o fará se beneficiar de descontos.
Mas Pequim e Teerão já estão envolvidos numa disputa sobre preços. De acordo com uma newsletter da Foreign Reports , citada por David Ignatius no Washington Post , os chineses reduziram quase para metade as suas importações em Janeiro (285 mil barris/dia). Tudo porque o Irão recusou renegociar os termos das vendas a crédito, temendo que outros compradores exigissem as mesmas condições.
"Estamos a fornecer o nosso crude, mas com dificuldades em receber o dinheiro, isso é verdade", admite Mohsen Qamsari, da empresa nacional de petróleo iraniana. "De qualquer ângulo que se olhe, é provável que o Irão vá ter um problema de petróleo em 2012", conclui David Ignatius.
Valor de dissuasãoMas se o que opõe os EUA e a UE ao Irão é o programa nuclear e a recusa em deixar de enriquecer urânio, a eficácia do embargo ao petróleo iraniano que estes países estão a tentar pôr em marcha deveria avaliar-se a partir dos desenvolvimentos nucleares iranianos. Não é certo que assim aconteça. "Quanto mais Washington encurralar Teerão, maior é o valor de dissuasão que a liderança iraniana atribui ao nuclear", escreve Suzanne Maloney, analista do Centro para o Médio Oriente do think tank Brookings Institution.
A habitual estratégia iraniana passa por responder à pressão com retórica belicista - a ameaça de encerrar Ormuz -, para, em seguida, sinalizar a disponibilidade para negociar. Nos últimos dias, vários responsáveis disseram querer regressar às negociações com o grupo dos 5+1 (os membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha), interrompidas há um ano, e estar abertos a discutir "tudo" com a Agência Internacional de Energia Atómica. As novas sanções acontecem depois de a agência ter concluído que Teerão desenvolveu actividades "específicas do fabrico de armas nucleares" (o Irão nega que o seu programa tenha ambições nucleares). Logo em seguida, o Irão pôs em funcionamento uma segunda central de enriquecimento de urânio.
Em resposta à anunciada disponibilidade negocial, a chefe da política externa da UE, Catherine Ashton, que representa os países do 5+1, disse sexta-feira que, apesar das novas sanções, a via negocial permanece aberta. "Sempre fomos claros sobre a validade da abordagem dupla", afirmou num comunicado que inclui a carta que enviou a Teerão em Outubro, abrindo a porta a uma nova ronda negocial. "Estamos à espera da reacção do Irão." Teerão tem dito que quer negociar, mas que só o fará sem pré-condições, recusando assim qualquer recuo nas actividades nucleares. O mais provável é que não mude de posição.
É difícil encontrar um só analista a prever que as sanções farão o regime dos ayatollahs recuar na ambição nuclear. Mas muitos acreditam que um embargo ao petróleo pode provocar danos e funcionar como instrumento de pressão sobre o regime.
Estes são tempos particularmente difíceis para os líderes iranianos, eles próprios divididos, vendo como o seu mais próximo aliado (o regime sírio) corre sérios riscos, e a braços com uma situação económica cada vez mais débil. Neste contexto, as sanções podem até ajudar o regime, que assim culpará forças externas pela sua própria incapacidade para gerir o país e as expectativas dos iranianos. Mas há um preço a pagar. Serão os iranianos a sofrer as consequências - e a médio prazo, acreditam alguns nos EUA, o próprio regime, pois a pressão económica acabará por favorecer os reformistas e pode resultar até num levantamento popular.